MACHADO DE ASSIS para principiantes

Celso de Almeida Cini

Celso de Almeida Cini

A escritora Lúcia Miguel Pereira foi  sua melhor biógrafa. Começou a escrever sua biografia em 1935, publicando-a em 1939, cerca de 30 anos depois de sua morte, em 1908.  No cinquentenário de sua morte (nos anos 1958 a 1960,) foi biografado, mais como escritor, por Raimundo de Magalhães Júnior, na obra, Machado de Assis Desconhecido. Antes da publicação dessas biografias, só existia uma, incompleta, de Alfredo Pujol.

Muito pobre, ele nasceu a 21.06.1839 (na Chácara do Livramento, RJ, pertencente à madrinha, rica, fidalga, Maria José de Mendonça Barroso  viúva do Senador e Ministro do Império, Bento Barroso Pereira, dos quais Machado lembrará sempre em seus livros). Viúvo, com 69 anos, doente, Machado de Assis, morreu em 29.09.1908, na Casa do Cosme Velho, quatro anos depois da morte da esposa que adorava, a portuguesa, Carolina Xavier de Novais, falecida em outubro de1904).

Quando Carolina morreu, a vida de Joaquim Maria Machado de Assis. desmoronou porque desejava e esperava morrer antes dela, que tanto zelou por ele, em razão do mal secreto que sempre o acometeu: a epilepsia, que lhe provocava graves ausências.  Por isto não quis ter filhos…

Gênio criativo e escritor de notável talento, M.A. foi soberbol cronista e até profético com a crônica de 07.06.1896, (A Semana) na qual previu o surgimento da Ponte Rio-Niteroi, a criação do Estado da Guanabara, o fim da febre amarela no Rio de Janeiro; a conquista dos Jogos Olímpicos para o Rio de Janeiro, além de preconizar a maior autonomia para os estados, na Federação Brasileira. Escritor genial e arguto analista das almas e das fraquezas humanas, explorou com sucesso essa habilidade em seus melhores romances: Memórias Póstumas de Braz Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro (o mais humano de seus romances), Esaú e Jacó,  Memorial de Aires e em inúmeros contos, modalidade em que também era mestre e que produziu com abundância.

1) A mãe de Machado de Assis,  Maria Leopoldina, era branca, portuguesa, ilhoa, nascida na Ilha de São Miguel, do Arquipélago dos Açores, daí o gosto de Machado pelas coisas portuguesas. Mas essa mãe morreu cedo, deixando M.A. muito criança, aos cuidados do pai, que era mulato e pintor de paredes. Machado sempre odiou sua mulatice, herdada do pai. Sua madrasta, Maria Inês, abnegada madrasta, era também da raça negra, mas foi ela quem garantiu sua sobrevivência e o ensinou a ler e a escrever e lutou para sustentá-lo ao lado do pai que estava sempre ausente e faleceu em 1864, quando M.A. já era quase adulto. Foi M.A., no entanto, criado pela madrasta, Maria Inês. Ao tornar-se adulto, M.A. passou a fugir sempre  dessa origem humilde e negra, lutando bravamente para elevar-se socialmente, o que conseguiu, a duras penas, mas com muito sucesso, inclusive abandonando aquela mãezinha humilde, a madrasta Maria Inês que, sem filhos próprios, lhe devotara a vida para criá-lo e o tirara da cegueira do analfabetismo! Machado nunca se perdoou por esse pecado!

2) Foi o idealizador e o criador da Academia Brasileira de Letras, em 1897. Sua morte, 1908, causou comoção nacional. Foi como a “queda de um gigantesco Jequitibá cujo cerne do tronco era róseo-acastanhado (a cor de sua pele).” Machado de Assis era mulato. Morto o escritor pátrio, nasceu o mito,  a lenda sobre “o Bruxo do Cosme Velho”. Esse “Jequitibá” ao cair, abriu larga clareira na floresta literária brasileira, até hoje não recomposta. Ninguém; nenhum de nossos grandes literatos, anteriores ou posteriores,  conseguiu igualar-se,  ou encobrir a fama e as qualidades de M.A. Nem mesmo João Guimarães Rosa (falecido muito cedo,  com 59 anos! E com apenas 20 anos de literatura). Esta lacuna talvez nunca seja preenchida, embora tenhamos hoje escritores de grande valor!

3) M.A. foi um ser humano cético, descrente, embora tivesse conhecimento profundo sobre o conteúdo do Velho e do Novo Testamentos, deixou a impressão de ser ateu!  Sua última frase no Romance “Dom Casmurro”, considerado sua obra prima, cita um profeta do V.T. que ampara sua tese de que  Capitu foi infiel a Bentinho: “Não desconfies de tua mulher para que ela não venha a enganar-te com a malícia que aprender de ti.” Em seu leito de morte, Machado não aceitou ser assistido por um padre que lhe ministraria a extrema unção. Alegou que seria hipocrisia, assumindo suas culpas como descrente.

4) M.A. foi um notável autodidata, professor de si mesmo, durante toda a sua vida. Não frequentou universidades. Em português, exprimia-se de forma magistral, clara, enxuta, com economia de adjetivos, muita clareza e com textos que provavam sua elevada cultura. Dominava com perfeição a língua francesa, o inglês, o espanhol  e o latim. E, quando faleceu, com 69 anos, estava estudando grego.

5) M.A. traduziu, com arte, várias poesias francesas, a obra Os Trabalhadores do Mar, de Chateaubriand e parte da magnífica obra Oliver Twist, de Charles Dickens (A conclusão [23 Capítulos] foi realizada, em 2000, por Ricardo Lísias, literato brasileiro, doutor em Literatura) e ainda muitas Fábulas de La Fontaine,  e poesias inglesas, como O Corvo de Edgard Alan Poe, fazendo-o sempre com inigualável maestria.

6) Escreveu cerca de 18.000 páginas (manuscritas)! Como jornalista, escreveu para quase todos os periódicos do Rio de Janeiro, alguns de outros estados. Escreveu grande quantidade de Crônicas, contos e romances, na forma de folhetins. É autor de mais de 300  Contos, esparsos e em jornais destinados às famílias, em fascículos. Compôs e publicou várias obras poéticas, quando jovem, em seu período romântico, ao lado de romances (Ressurreição, A mão e a Luva, Helena, Iaiá Garcia, Contos Fluminenses, Histórias da Meia-Noite, Casa Velha etc.). Mas, sua melhor fase foi o Realismo, em razão de  sua aguda observação das fraquezas e misérias  humanas. Nesse período, produziu romances como Memórias Póstumas de Braz Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires. Mas sua obra é vasta: abrange Crônicas, Crítica  Literária, Correspondência e as poesias (Crisálidas, Falenas, Americanas e ainda os romances já citados e todos os livros de Contos).

7) PENSAMENTOS E  CITAÇÕES DE M.ASSIS

O adjetivo foi introduzido nas línguas como uma imagem antecipada dos títulos honoríficos com que a civilização devia envergonhar os peitos nus e os nomes singelos dos heróis antigos (Crônica A Semana, de 22.11.1896);

Vocês não calculam  como os adjetivos corrompem tudo, ou quase tudo; e quando não corrompem, aborrecem a gente, pela repetição que fazemos da mais ínfima galanteria. Adjetivo que nos agrada está na boca do mundo (Crônica Balas de Estalo”, de 16 de maio de 1885).

Os adjetivos passam, e os substantivos ficam (mesma crônica citada acima).

Adultério de Capitu... “uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também,  quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me”… A terra lhes seja leve! (Ultima frase do romance Dom Casmurro, o mais humano dos romances de M.A.).

Democracia: ´ É uma santa coisa a democracia – não a democracia que faz viver os espertos, a democracia do papel e da palavra, -, mas a democracia praticada honestamente, regularmente. Quando ela deixa de ser sentimento para ser simplesmente forma, quando deixa de ser ideia para ser simplesmente feitio, nunca será democracia, – será espertocracia que é sempre o governo de todos os feitios e de todas as formas.  (Crônica de 24.10.1864).

A alma é tema recorrente em Machado de Assis, senão, vejamos:

Alma dupla – “Sua alma era uma fonte de duas bicas, vertia mel por uma e vinagre pela outra.” (A herança – Conto de Relíquia de Casa Velha)

Alma feliz – Toda alma feliz é panteísta:  parece que Deus lhe sorri de dentro da flor que desabrocha do fundo da água, que serpeia murmurando, e até de envolta com o cipó humilde e rústico, ou no seixo bronco e desprezado do chão. (do romance A Mão e a Luva).

 

Alienados e alienista…  Nada tenho que ver com a ciência (médica dos dementes);  mas se tantos homens em quem  supomos (existir) juízo, acabam reclusos (em hospícios) como dementes, quem nos afirma que o alienado  não é o (próprio médico) alienista? (do conto, ou novela: O Alienista).

A Alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas ou com poucas e gradeadas, à semelhança de conventos e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos. (Do Romance Dom Casmurro).

Alma cromática – “Rufina (permitam-me esta figuração cromática) não tinha a alma negra de lady Macbeth, nem a vermelha de Cleópatra, nem a azul de Julieta, nem a alva de Beatriz, mas cinzenta e apagada como a multidão dos seres humanos.”

Alma sutil – A alma humana é tão sutil e complicada que traz confusão à vista nas suas operações exteriores. (Do conto O Escrivão Coimbra).

Observação final:

Há tantos – e são tão notáveis – os pensamentos e a filosofia de vida de Machado de Assis, que seriam necessários anos a fio de estudo sobre o conjunto da sua obra, para um de nós formular um juízo abrangente, perfeito, de seu gênio criativo. São romances, contos, poesia, milhares de crônicas (ainda esparsas por jornais de sua época), teatro, crítica literária, traduções e outros escritos, desse heroico mestre feiticeiro da arte da palavra escrita, da comunicação brasileira. Machado de Assis demonstra estilo límpido, criatividade bem pensada, enriquecida de humor ironias inteligentes e convincentes como, ficcionista, contista, teatrólogo, mas também como cronista, ora irônico (em Balas de Estalo), ora profético em (Crônicas de 15 dias e Crônicas da Semana), ora bom observador político nas Crônicas políticas sobre o velho Senado do Império e da República, ora arguto observador das fraquezas humanas em todos os seus romances, ora carinhoso em suas poesias, ora sério crítico teatral e literário. E como nos ensina! Tal como um professor paciente e rico de exemplos, como um verdadeiro mestre, que foi de si próprio, durante toda a vida!

(*) Acadêmico : Celso de Almeida Cini  Cadeira 37 da Academia  de Letras da         Grande São Paulo  –  Maio de 2018.

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