“O brasileiro é cordial” … afirma o humorista José Simão. Mas, essa afirmação quer ter maior alcance e, ser qualificado com certa dose de ironia bem humorada e ao mesmo tempo alegre. Com isso, também quer dizer o brasileiro é gozador, gaiato e até, para mostrar-se um severo censor com fumaças de filósofo predestinado, ao modo dos antigos romanos que pregavam “ridendo castigat mores” (brincando se dizem verdades como crítica aos costumes). Para tanto, assume a posição de pacóvio, parvo, toleirão, bronco, idiota, estúpido, palerma, pateta, paspalho, bocó, beócio, mentecapto, imbecil, inútil, asnático, tonto, tolo, bobo, ingênuo, néscio ou mané, enfim!
Ou, com frequência, ele veste uma daquelas imagens, de simplório ou ignorante, para pregar uma peça, contar uma piada, referir-se a um proverbial conto, deixar um recado maroto na porta de um WC do estabelecimento comercial onde trabalha, para antecipar e censurar atitudes grosseiras de engraçadinhos frequetadores… Sim o povo brasiliano é mesmo cordial, mas também crítico e censor. Nem todos, infelizmente, é claro, pois com frequência aparece alguém que assume um dos lugares comuns, até mesmo entre “as zelites”. . .!
Por outro lado, o brasileiro é também muito espirituoso e tem a cabeça povoada de ideias e, porque não dizer, inclinada a literatices, como engenhoso criador de modas e contos, imitando a vida e seus muitos momentos, tristes ou alegres, fantasiosos ou utópicos, que dão margem a comunicar estórias, tretas, engodos, artifícios, ardis, sutilezas, astúcia, manha, de que são exemplos fugazes o cabedal de piadas prontas sobre todas as raças que povoam nosso País, sempre inclinado a acolher gente fugida das desgraças do mundo, sejam elas naturais ou provocadas por arrivistas, malandros, espertalhões, perturbadores da ordem pública, amigos do alheio, maníacos de todas as misérias. Bons leitores? Poucos!
Isto explica, de certo modo, porque é grande o número de interessados em participar dos muitos concursos de contos promovidos por academias de letras, pen-clubes, (ONGs), bancos, secretarias de cultura e outras entidades ligadas à cultura e a editoras e livrarias etc.
E, como não somos, de modo geral, assim tão apaixonados por leituras de obras longas, existe grande afeição pelo conto, uma arte literária curta, mas exigente que sempre deverá primar pelas qualidades de boa estória e elegância, precisão, originalidade, relevo e concisão na forma. O mundo literário tem mostrado grandes mestres do conto. E, no Brasil, também temos contistas notáveis entre os grandes escritores.
E, entre todos nós, os do povo, quem é que não gosta de inventar histórias e contos para dar uma beliscada num concurso que oferece prêmios pecuniários e cuja participação é naturalmente gratuita? Até existem, acreditem, os “profissionais” do ramo que sempre estão presentes em muitos desses certames, em busca de algum ganho e notoriedade.
Um Concurso Histórico de Contos
Em agosto de 1976 tomei conhecimento de que um grande Banco promovia o seu Concurso Unibanco de Literatura, de âmbito nacional, que congregou participantes de 21 estados brasileiros, divididos entre capital e interior. Os resultados – 10 Primeiros + 12 Menções Honrosas – foram publicados num opúsculo, em 1978, pela Editora Edibolso S/A., obra prefaciada por nada menos do que nosso brilhante filólogo, diplomata, tradutor, crítico literário, ensaísta, embaixador e delegado do Brasil na ONU, redator chefe das Enciclopédias Delta Larousse e Mirador e autor de um notável Dicionário da Língua Portuguesa, o professor Antonio Houaiss, militante ativo das unificações ortográficas nos países de língua portuguesa, Ministro da Cultura em 1993, membro da Academia Brasileira de Letras e seu Presidente em 1995.
A Comissão Julgadora, tinha 1) o filólogo Antonio Houaiss como Coordenador e os seguintes luminares da Literatura Brasileira: 2) Geraldo Galvão Ferraz, jornalista e crítico literário, da Editora Abril; 3) Ignácio de Loyola Brandão, jornalista, escritor premiado e autor de muitas obras polêmicas; 4) João Antonio Ferreira Filho, jornalista e escritor, militante de diversos jornais com várias obras traduzidas para outros idiomas; 5) Lygia Fagundes Telles, contista e romancista paulista famosa. Membro das Academias Paulista e Brasileira de Letras; 6) Marcílio Marques Moreira, diplomata, professor, embaixador do Brasil em Washington, Diretor do Unibanco, e Presidente do Centro de Ciências Sociais da Universidade do Rio de Janeiro e 7) Otto Lara Resende, escritor, jornalista com vários livros publicados e Diretor da Rede Globo de TV e do Jornal O Globo.
Total de Participantes…….. 8.623
Sendo: de São Paulo ………….. 3.741
Rio de Janeiro …………………… 1.889
Minas Gerais……………………… 715
Rio Grande do Sul ……………… 705
Paraná…………………………….. 380
Distrito Federal………………….. 226
Bahia………………………………. 167
Pernambuco………………………. 147
Santa Catarina……………………. 120
Goiás……………………………….. 107
Ceará……………………………….. 89
Espírito Santo……………………. 79
Rio Grande do Norte……………. 45
Pará………………………………… 40
Mato Grosso ……………………… 38
Paraíba ……………………………. 37
Amazonas…………………………. 27
Piauí……………………………….. 22
Alagoas……………………………. 21
Sergipe…………………………….. 16
Maranhão………………………….. 12
Competidores de todo o Brasil 8.623
Como o Regulamento do Concurso permitia a inscrição de mais de 01conto original por participante, o número de contos inscritos elevou-se, alcançando, o total de contos inscritos….. 13.306 (!).
Sendo a Comissão Julgadora formada de apenas (07) sete membros, caberia, em média, a leitura e avaliação de 1.900 contos para cada um! Haja tempo e disposição para atender a esse volume de trabalho, não?
Notas interessantes do Prefácio de Antonio Houaiss
“Esse acontecimento, sem precedentes na história da nossa literatura e da literatura de Língua Portuguesa… precisa ter alguns de seus aspectos ressaltados, pelas lições que encerra … … O Unibanco pôs em ação todos os dispositivos necessários para que o empreendimento funcionasse à perfeição: conseguiu que sua rede bancária fosse captadora do material concorrente. E, mais ainda, a resposta pública à promoção, com ampla distribuição nacional pelos estados, que permite assegurar que no Brasil, a vocação contística e o desenvolvimento social vão, (caminhando) de par. Essa conclusão se inclui na lógica da realidade social brasileira, que, assimetricamente desenvolvida, pede, entretanto, não ser rigidamente levada à letra, já que certos valores estavam implícitos e subjacentes na ideia de “concurso nacional de contos.”
“Quero dizer com isso que, se se fizesse um concurso nacional de folhetos de cordel, era possível que a liça se limitasse ao Nordeste e, acaso a São Paulo e Rio de Janeiro (que compareceriam com seus nordestinos), do mesmo modo que, se fosse um concurso nacional de “poemas tradicionalistas”, era provável que o Rio Grande do Sul quase monopolizasse os concorrentes. E o concurso foi aliciante no sentido de que mobilizou perto de nove mil brasileiros por duas importantes razões: a premiação pecuniária e a chance de ser conhecido como contista, dada a amplitude oficial do concurso: “nacional”!
Em termos qualitativo-quantitativo, a alternativa (poesia ou conto), seria o conto que, seguramente, em todas as culturas e em todos os tempos, foi, é e será, o gênero mais praticado pelo homo loquens, que o pratica mesmo quando não sabe que o pratica.
A tarefa da Comissão Julgadora, à primeira impressão, se revelava inenfrentável: como fazer ler, em seis meses, criteriosamente, 13.306 contos? Reunidos, fomos aos poucos, abrindo veredas de critérios: (a) cada integrante da Comissão era livre de ter convicções estéticas, éticas, políticas ou técnicas que quisesse, guiando-se só por elas; (b) a tarefa, assim liberta, consistia, para cada um, de início, em separar os contos que aceitasse (grupo SIM) dos que rejeitasse (grupo NÃO); (c) distribuir-se-iam, de começo, mil contos a cada um dos sete julgadores, de tal modo que os julgadores A, B e C, lessem os mesmos contos e D, E e F, outros mil mesmos e G, um terceiro milhar; tabulados os resultados, eram automaticamente excluídos os contos que tivessem NÃO de A, B e C ou de D, E e F. Os contos supérstites, passariam à leitura dos outros membros, excluindo-se sempre os que atingissem três vezes NÃO. Partia-se da hipótese de trabalho de que um número (não previsível, mas necessariamente pequeno) de contos iria lograr o SIM dos sete membros, nenhum deles sabendo do julgamento do outro ou dos outros.
No trabalho de julgamento, em si, reinou a maior independência intelectual, o que aliás, foi consentâneo, tanto de parte dos julgadores, como de parte dos competidores, autores dos contos. Não se pensou em quaisquer ordem de critérios: se objetivos ou subjetivos, se parciais ou partidários, se formais ou substanciais, pois a independência intelectual de cada julgador não se compadeceria com condicionantes de quaisquer tipos. Cada membro da Comissão Julgadora ficou livre de aceitar ou rejeitar os contos, em suma, de separar os de SIM dos de NÃO, da forma mais personalizada possível.
De outro lado, não foi surpresa para nenhum dos julgadores ver que os contos, se aferidos pelo número de laudas ou por seu conteúdo, constituíam um continuum. Mas havia outros continua, com um polo literalmente obscenóide a outro polo literalmente moralizantóide; com um polo engajadamente político ao polo aristotelicamente animal político; do polo da narrativa tradicionalista ao polo dos experimentalismos de toda natureza; do polo de quem era consumidor de literatura ao polo de quem lhe era jejuno; do polo de quem queria jogar na loteria ao polo de quem buscava a legitimação de reconhecimento por um júri.
As surpresas resultantes do julgamento
Terminados os trabalhos dessa fase e tabulados os resultados, houve algo de espantoso: apenas um conto obtivera o SIM de todos os sete membros da Comissão Julgadora (!). Vinte e um contos lograram o SIM de seis julgadores. Era, por conseguinte, dentre eles que sairiam os dez premiados.
Ora, o primeiro lugar se definia por si mesmo, pela própria técnica seguida, ainda que o julgador A não viesse a pô-lo na sua lista, como prioritário ou primeiro, podendo o mesmo ocorrer com cada um dos demais membros da Comissão. Houve, para com os lugares sucessivos, releitura dos vinte e um de seis SIM, de tal modo que pudessem ser, aos poucos, ordenados em sequência do segundo ao décimo. Foi, quando, consensualmente, admitimos que os outros, aqueles que também haviam obtido SIM, de seis julgadores, não fossem pura e simplesmente esquecidos: veio a Menção Honrosa.
Nesse sentido, a amostragem oferecida pelos contos concorrentes é de uma importância tal que não seria de espantar que de seu estudo sistemático se depreendessem elementos com que fazer um retrato ou uma radiografia de nossa conjuntura social, segundo as aspirações, os anseios, os problemas, as angústias, as frustrações daquela fração literária, juvenil ou madura, capaz de aspirar a escrever um conto competitivo”.
E, o brilhante professor, Antonio Houaiss, ao encerrar seu oportuno prefácio, afirmou que a Comissão Julgadora considerou uma honra dar seu contributo (consciente, judicioso, imparcial) a um concurso que exceleu pela estrutura, funcionamento, competição, quantidade e qualidade. E ensejou, a todos, a oportunidade de um convívio cordialíssimo.
Rio de Janeiro, 18 de março de 1978.
Antonio Houaiss
OS 10 PRIMEIROS COLOCADOS
1º RUY CARLOS LISBOA – Donzela do Parque Imbituba
Amazonense, 48 anos, jornalista e publicitário, Rio de Janeiro.
2º WELBER SILVA BRAGA – Guadalajara
Mineiro, 40 anos, professor universitário, Belo Horizonte MG.
3º AFONSO BARROSO DE OLIVEIRA – Mistérios Gozosos
Mineiro, 36 anos, jornalista residente em Belo Horizonte, MG.
4º JOSELI ERNESTO CESCHIM – Mensagem nº 1
Capixaba, 27 anos, jornalista, residente no Rio de Janeiro.
5º MARCO AURÉLIO BORBA – Sombrinha Velha
Paranaense, 32 anos, jornalista residente em São Paulo.
6º MARIA TEREZA JACOB BRONZO DE ALMEIDA – O Casamento
Mineira, 28 anos, psicóloga, residente em Ribeirão Preto, SP.
7º ROBERTO GOMES – Sabrina de Trotoar e Tacape
Catarinense, 32 anos, professor universitário, reside em Curitiba, PR
8º ALBERTO LEMOS – Jaqueta Nove
Goiano, 56 anos, funcionário público residente em São Paulo.
9º REGINA HELENA DE PAIVA RAMOS – Álbum de Retratos
Paulista, 45 anos, jornalista, residente em São Paulo.
10º RAUL LONGO TUBINO – Revolução
Paulista, 28 anos, publicitário, residente em Campo Grande, MT.
MENÇÕES HONROSAS
1.AMADOR RIBEIRO NETO – Família Exemplar ou Parágrafos e Artigos do Cotidiano ao Redator dos Fiapos de umas Mangas,
Estudante, São Paulo.
2.CARLOS ALBERTO BATISTA – O Rictual dos Ventos
Técnico de Contabilidade, Barra do Piraí, Rio de Janeiro.
3.ELYSEU RECLUS MAIA – Samba, Prontidão e Outras Bossas
Publicitário, residente no Rio de Janeiro.
4.GERALDO MARKAN FERREIRA GOMES – Suzana, o Gramophone e a Comunhão dos Santos ou a Reinvenção do Amor – Professor, Fortaleza CE.
5.HANS FRANZ THEO DAMMANN – Querida Mamãe
Publicitário, residente em São Paulo.
6.JOSÉ RIBAMAR LIMA DA FONSECA – Nos Campos do Marajó
Jornalista, residente em Belém PA.
7.MANOEL NASCIMENTO – O Seguro
Publicitário residente em São Paulo.
8.MARCIO HENRIQUE MARTINS GEENEN – Mariá Perna-de-Pêssego
Jornalista, residente em Curitiba PR.
9.MARCIO MARTINS MOREIRA – Livraria e Papelaria Tales de Mileto
Publicitário, residente em São Paulo.
10.NEI LEANDRO DE CASTRO – Os Peixes Luminosos
Publicitário, residente no Rio de Janeiro.
11.PEDRO CRUZ GALVÃO DE LIMA – Covões de São Braz
Publicitário, residente no Rio de Janeiro.
12.SERGIUS ANTÔNIO GONZAGA – A. S.
Professor, residente em Porto Alegre RS.
Notas: Os dados dos vencedores referem-se à época de enceramento do concurso: agosto de 1977.
Somente o Conto premiado em Primeiro Lugar – Donzela do Parque Imbituba, do autor amazonense, Ruy Carlos Lisboa, obteve aprovação unânime da Comissão Julgadora, isto é: Sete SIM !
Do 2º ao 10º premiados, e também todos os 12 (doze) contos que mereceram Menção Honrosa, só alcançaram a aprovação de Seis SIM, cada um e foram objeto de releitura pelos julgadores para definir a ordem final de qualificação, estabelecida pela Comissão Julgadora.
Embora com a elevada participação de 3.741 paulistas e 1.889 cariocas (ou fluminenses), só há dois paulistas (9º e 10º lugares) e nenhum carioca ou fluminense, entre os dez primeiros colocados.
Entre os 10 primeiros premiados há: um amazonense (1º prêmio); três mineiros (2º, 3º e 6º prêmios); um capixaba (4º prêmio); um paranaense (5º prêmio); um catarinense (7º prêmio); um goiano (8º prêmio) e dois paulistas (9º e 10º prêmios).
Os 22 contos classificados e o Concurso, estão publicados no Livro de Bolso: Os Contos Premiados no Concurso Unibanco de Literatura, editado pela EDIBOLSO, em 1978. Isso há quarenta anos!
(*) Celso de Almeida Cini é advogado, professor, escritor, memorialista e membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, ocupante da Cadeira 37, Patrono: escritor paulista, Afonso Schmidt.
Não sou da cidade de São Paulo. Mas, de Natal RN.
Gostaria de participar do próximo concurso. Acho que sou capaz de escrever um conto.
De que cidade você é Maria das Graças, estamos em curso de um Concurso mas somente para Estado de São Paulo. Entre no nosso site https://www.algrasp.com.br ou mande um e-mail para academiadeletrassp@gmail.com