José Ramos Vitorino

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José Ramos Vitorino


Patrono: Amadeu Amaral
Cadeira 33


BIOGRAFIA

JOSÉ RAMOS VITORINO – Nasceu em 21 de Novembro de 1934 no município de Presidente Wenceslau, no Estado de São Paulo. Casado com a psicóloga Dra. Neide Trigo Ramos com quem teve três filhos, Dr. Renato Teodoro Ramos (Médico), Dr. Rogério Tadeu Ramos (cientista) e Dr. Régis Tércio Ramos (economista). Professor Ramos, como é conhecido por todos é Formado pela Faculdade de Geografia da USP. Lecionou  além de Geografia, Português, Latim, História, Noções de Direito e Educação Moral e Cívica, em escolas estaduais e particulares dos municípios de Ribeirão Pires, Santo André, São Bernardo do Campo e São Paulo. Em São Caetano do Sul, nas seguintes escolas: Instituto de Ensino de São Caetano do Sul, Colégio Estadual Cel. Bonifácio de Carvalho, Escola Estadual Profª Yolanda Ascencio, Escola Estadual Bartolomeu Bueno da Silva, Escola Estadual Anacleto Campanella e Escola Estadual Padre Alexandre Grígoli. Em 2004, após 54 anos de magistério, Prof. Ramos foi aposentado compulsoriamente pelo estado, aos 70 anos de idade. Mesmo trabalhando muito, cursou as faculdades de Direito de Bragança Paulista e depois o curso de Pedagogia na Faculdade Leonor Mendes de Barros, em São Bernardo do Campo. Membro do Conselho Diretor da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul; Membro co-fundador da Academia Popular de Letras. A poesia possibilitou enriquecer a sua geografia interior. Enquanto ensinava aos seus alunos a ciência dos lugares com seus rios, montanhas e florestas, enquanto demonstrava a disposição das constelações no céu, sua alma foi buscando latitudes infinitas e flutuando como a lua. Encontra-se no prelo seu livro “Um Aprendiz de Sonhos” . Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, ocupa a cadeira de número 33 cujo Patrono é Amadeu Amaral.


Pronunciamento de Apresentação de José Ramos Vitorino, na sessão de posse da Academia de Letras da Grande São Paulo, proferido pela Acadêmica Eva Bueno Marques.

Nesta noite festiva, a Academia de Letras da Grande São Paulo abre suas portas para acolher mais um membro que vem enriquecer o Sodalício, pois ampliar o seu quadro é necessário e estimulador, uma vez que nos proporciona um constante crescimento acadêmico. Coube-me a subida honra de fazer a acolhida, em nome da Academia , ao nosso querido novel acadêmico Professor José Ramos Vitorino, tão ilustre figura que irá trazer-nos suas experiências pessoais, sua riqueza cultural e o compartilhamento de sua amizade.

Há alguns anos, o nosso Professor comparecia às reuniões do Conselho Diretor da Fundação Pró-Memória, com sua agenda recheada de poesias e, enquanto esperávamos o início das reuniões , ele fazia a leitura de seus versos que foram nos encantando. Assim foi nos revelando a sua intimidade com a poesia. Nosso estímulo o convenceu a reuni-las e agora, juntando coragem e vencendo a timidez, colocou-as num livro que se encontra no prelo, sob o título de Um Aprendiz de Sonhos. Percebemos que ele tem a poesia enraizada em seu coração. Sensível na proporção de sua bondade. Criatura lutadora, uma vida exemplar para seus filhos, netos e amigos. Educado e gentil no mais alto nível. Alma branca com clarão de luar. Soube fazer das agruras da vida, degraus para alcançar seus sonhos. Soube empregar suas forças no bom combate. Viajemos um pouco pela trajetória de seus exemplos:

Filho de agricultor alagoano e mãe cearense, nasceu em 21/11/1934, no município de Presidente Wenceslau, no Estado de São Paulo. Ele e suas duas irmãs tiveram uma infância pobre, dormindo em jiraus de varas, colocados em cima de quatro forquilhas e os colchões eram de panos, recheados de algodão e penas de galinha. No inverno, braseiro debaixo da cama, pois não havia cobertores. Mesas e cadeiras não conheciam, sentavam-se do em toras de madeiras, as refeições simples eram feitas no fogão de lenha e saboreadas com o prato na mão.

Sua infância no meio do laranjal, a roça verdinha, com plantas enfileiradas, cheiro do mato, canto do galo, frutas maduras deixaram recordações inesquecíveis.  Viviam em uma palhoça, mas a vida era tranquila e feliz. Seu pai mexia a terra a amor, colhia o que plantava e agradecia. Como no soneto do patrono desta noite, Amadeu Amaral:

Soneto

A terra é dura, o sol é bravo;a geada
destruidora; aves más e más formigas
assolam tudo, e a planta acarinhada
mal resiste a essas forças inimigas.

Que importa! Lavra sempre. Não maldigas
a terra ingrata. Não maldigas nada.
Talvez um dia o preço das fadigas
brote do sulco da robusta enxada.

Mas, quanto mais a terra é ingrata, e bravo
o sol e as aves são cruéis, e o resto,
mais valor mostrarás em continuar.

Que gentileza não viver escravo
a ganância, e plantar só pelo gesto
religioso e sereno de plantar!

Na memória gustativa, o sabor da uva quando a experimentou pela primeira vez.

Quanta lembrança daqueles tempos: a primeira bola de borracha, a gigantesca paineira, que com o vento deixava o chão forrado de paina, carrinhos feitos com cascas de madeira, e o banho nas águas geladas do pequeno riacho. Depois da tapera, foram para a casa de madeira, quase no mato. Sua distração eram as gabirolas amarelinhas, espalhadas no chão, o canto dos passarinhos, fiscalizar o João de Barro na construção de sua casa. Seu pai, festeiro e alegre, convidava as pessoas para dançar em volta da casa, nos fins de semana. Havia um sanfoneiro que tocava sempre as mesmas coisas e todos se divertiam. A casa cheia e a mãe servindo bolo de fubá, assado   no forno de barro. Eram felizes, nunca souberam o que era tristeza, mas um belo dia, seu pai resolveu voltar para o nordeste, atrás de uma vida melhor.

Em Maceió, conheceu a avó velhinha que faleceu com cem anos de idade. Lá, com a ajuda do avô, compraram uma casinha velha, com uma porta e uma janela. O pai foi viajar como mascate e ele com a mãe e as irmãs ficaram lá passando inúmeras necessidades.

O nosso homenageado desta noite cursou o primário no Colégio Salesiano da cidade, o ginásio no Colégio Salesiano Coração de Jesus em Recife, e o Colegial Técnico na Escola Técnica de Comércio de Juazeiro do Norte. Como pagamento para estudar, ele zelava pelos móveis e utensílios  do estabelecimento, também, lecionava caligrafia, desenho geométrico e geografia.

Retorno a São Paulo

Em 1954, após concluir o segundo grau técnico em contabilidade e o tiro de guerra, retornou sozinho a São Paulo. Os sonhos e a força de vontade impulsionaram-no para buscar uma vida melhor. Chegou então, com sua malinha rota, precisamente em São Caetano do Sul, onde foi acolhido por tio , que morava num barraco de madeira, no fundo de uma serraria, na Rua Santa Catarina, 84. O piso era úmido, de chão batido, passou a dormir em uma rede que havia trazido do nordeste. Passou muitas privações, às vezes, sua principal refeição, eram tomates colhidos no terreno da Light. Dolorosos momentos de solidão.

Atividade Profissional

O primeiro emprego foi em Santo André, nos fundos de uma malharia, para conferir notas fiscais. Depois conseguiu uma vaga no Banco de Crédito Real de Minas Gerais, na Rua José Paulino, em São Paulo. Passado quase um ano, queria entrar na faculdade e, como não tinha direito a férias ainda, aceitou a demissão voluntária. Conseguiu na biblioteca de São Paulo permissão para retirar os livros de que precisava. Como não dispunha de um local silencioso para os estudos, obteve permissão do chefe do cemitério da Vila Paula para lá estudar e, assim passou manhãs e tardes com livros em cima das tumbas. Foi dessa maneira que ele se preparou para ingressar na USP onde fez faculdade de geografia.

No vestibular, naquele tempo havia provas escritas e orais, e a prova oral de português era das mais exigentes.  O chefe da mesa examinadora, era o professor, doutor Napoleão Mendes de Almeida, catedrático e autor da gramática da língua portuguesa. Os temas eram sorteados pelos alunos. Quando foi solenemente chamado, tremeu feito vara verde, humildemente retirou o papel e lá estava escrito “Padre Antonio Vieira”. Por incrível que pareça, no tempo em que esteve no Colégio em Recife, discorreram, quase um semestre sobre os sermões do padre Vieira, seus famosos discursos, suas teses, inclusive sua visita ao Papa. Num gesto mágico, ficou de pé e começou a falar com entusiasmo sobre o tema. Após longos minutos, o Presidente da banca foi incisivo: “o nordestino sabe tudo de Vieira, chega, o jovem está bem preparado, sua nota é dez.” Naquele momento, todos os candidatos o aplaudiram e ele não viu mais nada, desmaiou, quando acordou estava dentro da Santa Casa de Misericórdia, sendo levado pelos colegas à Faculdade, na rua Maria Antonia.

Enquanto cursava faculdade, conseguiu aulas no período noturno, no município de Ribeirão Pires, no ginásio Doutor Felício Laurito. No final da década de 50, começou a lecionar geografia no curso ABC, no terceiro andar do prédio do Cine Vitória. Lá, conheceu uma aluna exemplar, descendente de espanhóis, natural de São Caetano; ele se encontrou com ela, a paixão de ambos foi recíproca e seus corações se encheram de felicidade.

Sonho de Amor
Amadeu Amaral

 Essa graça radiosa, esse donaire lento
– Brando raio de sol a redoirar um lírio –
Sinto-os ao pé de mim, de momento a momento,
Como a velha visão seráfica do Empíreo.

Tu passaste por mim com um delumbramento
Que passa; e eu mergulhei desde então num delírio,
A cismar e a temer sob o pressentimento
De Uma nova paixão e de um novo martírio.

Tenho na alma, depois que te vi e me viste,
Uma surdina, um murmúrio, uma alvorada,
Qualquer cousa de bom, qualquer cousa de triste;

Qualquer cousa que chega, em ânsias inda incertas,
Como uma ave que acorda, e, inda mal acordada,
Move, numa tonteira, as asas entreabertas

No início de 1960 já estavam casados, foi o início de uma linda história de amor que já dura 48 anos.

E essa companheira maravilhosa, Da. Neide Ramos passou a ser sua valiosa colaboradora na época, inclusive como professora de taquigrafias, profissão altamente valorizada na época. Tiveram três filhos.

Seu primogênito, Dr. Renato Teodoro Ramos, psiquiatra, professor doutor, livre docente da USP e catedrático da Universidade Metodista. Deu-lhe dois netos, Renato e Eduardo.

O segundo filho, engenheiro e físico com doutorado na Universidade de Londres e pós Doutorado na França, leciona na Telecom de Paris. Deu-lhe três netos, Alexandre, Olivyer e Lydia. O caçula fez economia com mestrado na USP, palestrante em convenções em vários estados. Dele ganhou na neta Rebecca.

Quando o caçula entrou na faculdade sua esposa também o fez, e cinco anos após, ela formou-se em psicologia, foi um momento inesquecível ver mãe e filho comemorando juntos as suas formaturas. Hoje ela presta serviço voluntário para as pessoas da terceira idade, de São Caetano do Sul. Em 2004, após 54 anos de magistério, Prof. Ramos foi aposentado compulsoriamente pelo Estado, aos 70 anos de idade. Mesmo trabalhando muito, cursou as faculdades de Direito de Bragança Paulista e depois o curso de Pedagogia na Faculdade Leonor Mendes de Barros, em São Bernardo do Campo.

Membro do Conselho Diretor da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, Membro co-fundador da Academia Popular de Letras. Lecionou além de Geografia, Portugues, Latim, História, Noções de Direito e Educação Moral e Cívica.

Lecionou em escolas estaduais e particulares dos municípios de Ribeirão Pires, Santo André, São Bernardo do Campo e São Paulo.

Em São Caetano do Sul, nas seguintes escolas: Instituto de Ensino de São Caetano do Sul, Colégio Cel. Bonifácio de Carvalho, Escola Estadual Profa. Yolanda Ascencio, Escola Estadula Bartolomeu Bueno da Silva, Escola Estadual Anacleto Campanella e Escola Estadual Padre Alexandre Grígoli.

Marcel Proust disse que “A sabedoria não nos é dada, é preciso descobri-la por nós mesmos, depois de uma viagem que ninguém nos pode poupar de fazer por nós”.

E o nosso carro recipiendário foi um grande desbravador nessa viagem ao rumo à sabedoria, extraordinário aluno da vida. Exerceu o magistério com magnitude e com amor. A poesia possibilitou enriquecer a sua geografia interior. Enquanto ensinava aos seus alunos a ciência dos lugares com os seus rios, montanhas e florestas, enquanto demonstrava a disposição das constelações no céu, sua alma foi buscando latitudes infinitas e flutuando como a lua.

Lua
Amadeu Amaral

 E nestas horas em que sofro e tento
vencer o tédio, víbora refece,
que o teu vulto à lembrana me aparece
num mais doce e maior deslumbramento.

Vem como a clara lua que esplandece,
inesperada, por um céu nevoento;
minha alma se ergue, então, no alheiamento
de uma dolorida fervorosa prece.

Ó clara, ó alta, ó refulgente lua,
se te elevas meu ser também se eleva,
e onde vais flutuando ele flutua…

Rompe das nuvens o peado véu!
És a única luz por esta treva
E o derradeiro encanto deste céu.

Só poeta consegue essas façanhas. Parabéns, caro professor. Cada passo de sua vida perseverante no futuro promissor vem encantar-nos sobremaneira, registremos neste momento nossa profunda admiração. Desejamos-lhes sucesso nesta nova casa que o Senhor adentra, nesta noite. Sua chegada satisfaz os princípios que norteiam a nossa Academia, garantindo os altos sentimentos e a elevação cultural que nos envolvem, nos fascinam e nos completam. Estamos aqui para aplaudi-lo, para dizer-lhe que entre sem bater, porque se o dom que recebeu de Deus é fazer versos, o seu lugar é aqui. Nosso abraço amigo de boas vindas, Caro Professor Ramos, ou melhor, como eu carinhosamente o chamo: Professor Ramos de flores…

Eva Bueno Marques


Pronunciamento de Posse de José Ramos Vitorino na Academia de Letras da Grande São Paulo.

ANTES MESMO DA SAUDAÇÃO, PERMITAM-ME ELEVAR UMA PRECE:

Pai Nosso, Senhor dos céus,
Criador de bilhões de estrelas e galáxias,
Contempla, das janelas do Universo
Esta porção de Teus filhos
A evocar o Teu nome
Em espírito e verdade.

Pai Nosso, Senhor da Terra
E de bilhões de seres viventes,
Contempla, do trono da Tua Onipotência
Esta minúscula porção do rebanho
Que Teu Filho apascentou outrora
Nas areias poeirantas da Galiléia!

Pai Nosso, Senhor dos Homens,
E de bilhões de consciências livres,
Recebe, nesta hora de sorrir e agradecer
Esta suave mensagem de fé
Que brota, pura e cristalina,
De nossos corações
Profundamente agradecidos!

Santificado seja o Teu nome
Porque iluminaste nossos progenitores
Para guiar os nossos destinos
Com firmeza e retidão…
E porque nos deste a luz da humildade
Ao adentrarmos, respeitosamente,
Esta catedral maior do saber!

Santificado seja o Teu nome
Porque trouxeste aqui
Além dos expoentes do humanismo
Nossos entes mais queridos
E os amigos mais sinceros
Para compartilharem da felicidade
Que transborda de nossos corações
Neste sagrado momento
De luz, de festa e de amor!

Faz-nos entender os Teus desígnios
Quando, um dia, recolheres ao Teu reino
Um de nossos entes mais queridos!

Faz-nos aceitar a Tua vontade
Quando a justiça nos for subtraída
E a ingratidão parecer multiplicada!

Ajuda-nos, ó Pai, a amar
Pelo menos o mais próximo…
Abate a nossa arrogância
Perante os menos favorecidos…
Nas tempestades do amanhã,
Dá-nos Tua mão, Senhor!

E ao final de muitos anos,
Quando a nossa voz já for cansada…
Nossas mãos juá forem trêmulas,
Nossos cabelos tingidos pela neve,
Nossos sonhos mais lindos já sonhados,
E nossa missão maior já terminada.

Amanhã, Senhor, amanhã…
Seja feita a Tua vontade!
Dá-nos o Teu Reino de Paz
Eternamente!

 

SAUDAÇÃO 

Emérito poeta, romancista e cronista Dr. Rinaldo Gissoni, Digníssimo presidente da Academia de Letras da Grande São Paulo,
Minha confrade, notória amiga, poetisa e escritora, Doutora Eva Bueno Marques, que, num gesto ímpar de nobreza e sensibilidade, se dignou indicar-me à Academia,
Nobilíssimos Membros da Academia de Letras,
Excelentíssimas autoridades que nos honram com a sua amável e generosa presença,
Minha dileta esposa: Dra. Neide Trigo Ramos – Psicóloga,
Meus filhos: Dr. Renato Teodoro Ramos, Médico; Dr. Rogério Tadeu Ramos, Cientista e Dr. Régis Tércio Ramos, Economista.

E… lá na fachada daquele templo estava escrito em letras garrafais:

“Bem aventurados os que falam pouco,
Pois eles serão convidados” 

Juro, solenemente, que tentarei!

A maior emoção do momento é ver-me cercado de amigos. Cada amigo é uma dádiva da sensibilidade humana. Nada supera a grandeza de um amigo!

Tanto é verdade que os latinos grafaram a expressão popular: “Amicus auter ego” – Um amigo é um outro eu! E os gregos, nos legaram a máxima lapidar – “Emicós tesauros estein” – Um amigo é um tesouro!

Lamentavelmente não trago a fé insofismável dos escolhidos, mas creio na antevisão generosa da poetisa Eva Bueno Marques pela comovente sensibilidade de indicar meu nome a compor os anais deste Templo.

Como estrela de primeira grandeza no espaço cósmico das letras, Eva tem luz própria e irradia entusiasmo, sensibilidade e simpatia, com seu falar manso e envolvente.

Trata-se de um ser iluminado que, ao atingir o mais alto grau de sensibilidade, teve a generosidade de descobrir, no buraco negro da cultura, um humilde poeta e introduzi-lo ao mundo das letras!

Fique bem claro, amiga, que não tenho nem méritos nem saber notório. Ao adentrar os umbrais deste parnaso, confesso-me prestes a emudecer de emoção. E é assim que gostaria de registrar, nos anais desta casa, a minha solene gratidão à egrégia confraria, pela aprovação do meu nome à Cadeira 33 da Academia de Letras da Grande São Paulo.

E, neste momento solene, permitam-me alinhavar um arremedo de panegírico ao patrono, o Acadêmico paulista Amadeu Ataliba Amaral Arruda Leite Penteado, um exemplo de simplicidade!

Poeta, folclorista, filólogo e ensaísta, Amadeu Amaral, conterrâneo de Tarcila do Amaral e do poeta Rodrigues de Abreu, nasceu a seis de novembro de 1875, na Fazenda de São Bento de Boa Vista. Viveu sua infância em Montemor, hoje Município de Capivari, no Estado de São Paulo.

Autodidata, surpreendeu a todos por sua extraordinária erudição, num tempo em que não havia, no Brasil, as famosas Universidades.

Dedicou-se aos estudos folclóricos e, sobretudo, à dialectologia. Foi o primeiro a estudar cientificamente um dialeto regional.

São suas obras: Urzes – 1889, o seu primeiro livro de versos; Névoa – lançado em 1902 e saudado em brilhante discurso por Vicente de Carvalho; Espumas – em 1917, é o terceiro livro de versos; Letras Floridas – ensaio e Pulseira de Ferro, novela, datam de 1920. Dialeto Caipira – folclore, escrito à luz da linguística, estuda o linguajar do caipira paulista da área do Vale do Rio Paraíba, analisando suas formas e esmiuçando-lhe sistematicamente o vocabulário; Lâmpada Antiga – poesias; Elogio da mediocridade – ensaio datam de 1924. Obras Completas – com prefácio de Paulo Duarte, foram editadas em 1948.l

Visando a formação dos jovens, assim como Bilac incentivara o Serviço Militar, Amadeu Amaral procurou divulgar o Escotismo, que produziu frutos no Brasil, até ser posteriormente posto de lado.

Sua poesia enquadra-se na fase pós-parnasiana, das duas primeiras décadas do século XX. Como poeta, não se ombreava a seus predecessores, da Academia Brasileira de Letras, Gonçalves Dias e Olavo Bilac, mas destacou-se sobremaneira, pelo desejo de contribuir para a elevação de seus semelhantes.

Fato tão notório em todas as suas obras, a ponto de seu sucessor Guilherme de Almeida, ao ser recebido na Academia Brasileira, ter intitulado seu discurso – “A poesia educativa de Amadeu Amaral”, porque visava indiretamente ao aperfeiçoamento humano.

Amadeu soube ressaltar as qualidades morais de Bilac no seu discurso de posse, mostrando-o não apenas como um boêmio frequentador da Confeitaria Colombo, mas como homem preocupado com os problemas da sua pátria e escritor que evoluiu em sua poesia para um grau maior de espiritualidade.

Erudito, Amadeu Amaral revela-se como um verdadeiro universitário. Até a poesia era por ele encarada como um assunto científico e somente muito mais tarde isso seria aceito no Brasil com as pesquisas poéticas de Cassiano Ricardo.

Essa feição extraordinária do Poeta é que o torna um precursor da libertação dos moldes da cultura europeia, estimulando e revalorizando os ideais nacionalistas que só se manifestariam no seu real caráter, após a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934.

Paulo Duarte. O biógrafo de Amadeu, por várias vezes reivindicou para o mestre o título de “O primeiro Moderno do Brasil”. Isso porque foi ele o primeiro a perceber a decadência do Parnasianismo e sentir a necessidade de renovação.

Era provável a sua bondade. Não há quem lembre de haver ele levantando a voz a quem quer que fosse. Os seus escritos, em prosa e verso, ressaltam esse amor pelos homens, pelos animais e pelas coisas que se estendia às árvores e às pedras.

Amadeu era desses incapazes de atirar fora um sapato usado, um chapéu velho, um objeto qualquer, sem dirigir-lhe um olhar de agradecimento pelos serviços prestados.

Lâmpada Antiga é catecismo de bondade. Os seres, a família, os amigos, o próximo, os indiferentes, a humanidade e as coisas… envolve-os tudo e todos de uma mesma névoa de amor.

A esse respeito, no capítulo de introdução de “Tradições populares”, Paulo Duarte foi genial:

Capacidade amor!
Ele ama seja o que for
Ama as árvores da rua
Ama este mundo e o da lua
Ama de amor sempre igual
A pedra, a planta, o animal…
Ele ama a prosa e a poesia
Mas quem é que não amaria
Sendo Ama… deu Ama…ral?

Registre-se o depoimento de Monteiro Lobato sobre o poeta: “Era um tipo de exceção, que destoava, clamorosamente, no irreverente clã da inteligência”. Levava tudo a sério. Nada dizia por amor ao efeito momentâneo. Falar, para Amadeu, era o meio de, lealmente, expor o que ele pensava e sentia.

Grave, circunspeto, melancólico, resignado e sempre com a vida aperreada… Porque “não sabia subir”, Amadeu tinha repulsa orgânica pela prostituição  do “subir”. Alma sensível demais!

Certa vez, Amadeu conseguiu reunir uns cobres. Surgiu então a ideia de adquirir mais uma casa. Alugou-a… e os tempos passaram-se. A certa altura, o inquilino estava com três meses de atraso.

Tiago Magazão soube que o locatário iria conversar com Amadeu… Anteviu o perigo pela frente. Se ele conseguisse falar com o poeta, iria tudo por água abaixo! Era preciso tomar cautela , pois que o fiador era abonado…

Os parentes entraram em confabulações e ficou acertado que se faria tudo, no sentido de impedir uma aproximação entre o inquilino e o escritor. Organizou-se um verdadeiro cerco. O locatário, no entanto, era desses que não conhecem obstáculos. Um dia, enfim, logrou falar com Amadeu.

— E daí?

O homenzinho choramingou e descreveu, com tintas negras, a situação. Disse estar desempregado e que a família estava quase passando fome… Tanto falou, tanto chorou que acabou deixando Amadeu comovido.

— E o poeta?

— Ah, o poeta, com aquele jeitão que lhe era peculiar, virou-se para o inquilino, fitou-o demoradamente e não se conteve! “Olhe, quer saber de uma coisa? Traga-me as chaves e não se lembre mais disso. Não precisa pagar o que me deve, não…”

São simplesmente fatos que explicitam a vida de um homem de bem. Mas, infelizmente, nada resiste ao tempo! E… sem aviso prévio, em 1992, aos 54 anos de idade, Amadeu Amaral fecha os olhos e faz a última viagem rumo ao desconhecido.

Máximo de Moura assim registra a morte do poeta: Um dia, que dia triste aquele, fui ao encontro de Amadeu. Ao acompanhá-lo ao cemitério, tinha a certeza de estar acompanhando o corpo de alguém que o destino fez meu amigo, e que, ao correr dos anos, terá seu nome cada vez mais lembrado, como um dos vultos maiores da intelectualidade de nossa Terra.

Tinha a certeza que acompanhava o corpo de alguém que soube ser bom – daquele homem que sempre fazia suas, as palavras do pensador, nunca esquecendo de repetir que “a vida é curta e não vale a pena ter ódios”.

Nobilíssimos confrades, confesso que sonhei outrora com a sombra da figueira e venho tentando colher as uvas verdes da inspiração poética!

E agora, nesse ocaso solene, mesmo sob juramento, permitam-me encerrar com um Soneto, um dos meus anseios poéticos que se figurava peremptoriamente inatingível:

O PARNASO

Adentrar os umbrais da Academia
Só se o destino arrebentasse as portas
E me permitisse a egrégia confraria
Escrever certo por linhas tortas!

Só se a vida, por reles ironia
E insensatez das esperanças mortas
Outorgasse-me o dom da poesia
E a inspiração abrisse-me as comportas.

Então, senhores membros desse templo,
Permitam-me seguir o vosse exemplo
Para sair de dentro da caverna!

Que a gratidão me sirva de bandeira,
Que a glória me não cubra de cegueira
E a crença na verdade seja eterna.

Era o que eu tinha a dizer.

José Ramos Vitorino


MEDITAÇÃO
 José Ramos Vitorino

É tempo de afagar as emoções
E abraçar as almas divididas…
É o momento certo dos perdões
Por mais que inda doam as feridas.

É tempo de esquecer desilusões
E perdoar promessas não cumpridas.
E, mesmo persistindo alguns senões,
Repensar as chegadas e partidas!

Melhor que condenar as madrugadas
E os sonhos jogados nas calçadas
Que, por motivos óbvios, feneceram…

Seria insistir nas tentativas
De conservar, no peito, sempre vivas
As esperanças que sobreviveram.

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