Patrono: José de Anchieta
Cadeira 10
BIBLIOGRAFIA
Pe. Jordélio Siles Ledo CSS, é estigmatino. Nasceu no dia 19 de agosto de 1976 na cidade de Vitória da Conquista, Bahia. Viveu sua infância e adolescência em Ibicoara, na Chapada Diamantina. Filho de Joaquim Silva Ledo e Edilce Siles Ledo. Apreciador de boas leituras com ênfase em poesias. No dia 14 de dezembro de 2002, na cidade de Ibicoara na Bahia, é ordenado padre pela Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo,cuja fundação é em Verona na Itália. Em 2010, recebeu o título de Cidadão Sulsancaetanense. Trabalhou como professor no Colégio Emile Villeneuve e Colégio Notre Dame onde coordenou o projeto de orientação profissional para adolescentes e jovens. Trabalhou na assessoria da Juventude Estigmatina e orientação espiritual da FABER. Foi coordenador do Primeiro Encontro Internacional da Juventude Estigmatina em 2013 na Paróquia Sagrada Família em São Caetano do Sul, com a presenças de bispos, padres e jovens de 15 países. Coordenou várias Semanas Catequéticas e foi membro da comissão organizadora do Seminário Nacional de Iniciação à Vida Cristã promovido pela CNBB na paróquia Sagrada Família em novembro de 2014. É mestre em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Bacharel em Filosofia pela PUC de Campinas, cursou Teologia no ITESP em São Paulo, especialista em Pedagogia Catequética e Psicodrama pela PUC de São Paulo e Sociedade Paulista de Psicodrama, Pós-graduando em História da Arte pela Universidade Belas Artes de São Paulo, professor na Pontifícia Universidade Católica de Goiás e UNISAL, presidente do Centro de Formação Permanente – CEFOPE, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Catequetas, fundador do Museu Sagrada Família- Catequese e Arte. Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo cujo patrono é o Padre José de Anchieta. Atualmente é Assessor da Comissão de Animação Bíblico Catequética da Diocese de Santo André, Vice- Provincial dos estigmatinos na Província Santa Cruz , pároco da Paróquia Sagrada Família em São Caetano do Sul e é assessor de catequese em várias regiões do Brasil. Autor do livro Trilhas e Temas – Meditações do caminho pela editora Akademica, da Coleção Psicopedagogia Catequética – Catequese Conforme as idades, Vol Criança, Vol II Adolescentes e Jovens, Vol III Adultos, Vol IV Pessoas Idosas, pela Paulus Editora. O Saber e o Saber Fazer a Catequese, pela Editora Vozes. Coleção Itinerário Catequético conforme as idades, pela Editora Scala. Autor da peça teatral O corpo deseja uma terra sem males, cujo foco principal é a teologia e temas ligados aos povos indígenas.
E-mail: jordelioledo@yahoo.com.br
BIBLIOGRAFIA
Trilhas e temas – Meditações do caminho (poesia) 2007;
Psicopedagogia Catequética – Reflexões e vivências para a catequese conforme as idades. (Instrução Religiosa) 2010;
Coleção Psicopedagogia Catequética. Reflexões e vivências para a catequese conforme as idades. Vol 1 – Crianças; Vol 2 – Adolescentes e Jovens; Vol 3 – Adultos e Vol 4 – Pessoa Idosa;
Roteiro de Formação com Catequistas – Pedagogia Catequética – 2013.
Pronunciamento de Posse de Padre Jordélio Siles Ledo à Academia de Letras da Grande São Paulo, em 16 de Outubro de 2008, na Cadeira 10, Patrono José de Anchieta.
Ilustríssimo Acadêmico, Sr. Dr. Rinaldo Gissoni, digno Presidente da Academia de Letras da Grande São Paulo;
Ilustres Prefeito, Senhor Dr. José Auricchio Jr. e primeira Dama, Dra. Denise Auricchio;
Prezadas autoridades presentes;
Prezado Sr. Acadêmico Silvino Fiori;
Prezados Acadêmicos;
Prezado Dr. Glenir Santanercchi, Presidente da Fundação Pró-Memória;
Caríssimo Prof. Dr. Pe. José Mário Filho;
Caríssimo irmão e amigo Pe. Eduardo Antônio Calandro;
Prezados Padres e confrades presentes;
Prezada Secretária da Academia, Sandra Regina Jordan Ayres;
Senhores e Senhoras, amigos e amigas, convidados e convidadas.
AGRADECIMENTOS
Hoje posso dizer que estou começando uma nova etapa de vida. O meu desafio passará a ser: “antes da Academia” e “depois da Academia”. Mas, não como um sinal de envaidecimento. Minha origem e minha fé, alicerçadas na humildade, assumem essa linha divisória como um desafio estimulante.
A sabedoria é como a luz inefável e incompreensível das inteligências.
(Santo Agostinho)
Iluminado por este pensamento, expresso minha gratidão ao Senhor Presidente da Academia de Letras da Grande São Paulo, Sr. Rinaldo Gissoni, que muito me alegrou com o convite para ingressar nesta Academia, apresentando-me a missão de servir e propagar o Bem e o Belo.
Aos meus pais, familiares, paroquianos e amigos que se fizeram presentes na minha trajetória. Agradeço-vos, compartilhando mais um pensamento de Santo Agostinho: “Confesso que realmente me entrego sem reservas ao amor dos que me são mais chegados especialmente quando desconsolado com os contra-tempos do mundo.”
Ao meu confrade, Pe. José Mário Filho que aceitou o convite de me apresentar aos senhores e senhoras aqui presentes, minha eterna gratidão.
E agora, de forma muito especial, ao Deus da minha vida pela graça que me destes de viver e sentir a vida traduzindo-a em versos e poesias. Querido Deus, muito foram os momentos em que me separei de ti, mas estivestes sempre perto de mim, como amigo bom e fiel. Rendo-te graças por tudo que fizestes pelo que és em minha vida.
INTRODUÇÃO – DADOS BIOGRÁFICOS
Ao escolher o Pe. José de Anchieta como patrono neste meu ingresso na Academia de Letras da Grande São Paulo, tive a felicidade de encontrar nele a figura exponencial por quaisquer dos focos que se o analise: histórico, carismático, intelectual, humano e o mais decisivo: o foco espiritual.
Vislumbro nele os traços de berço que me encorajam a escolhê-lo e a lutar para bem representá-lo, e, em relação aos seus talentos, imitá-lo ao assumir a Cadeira de número 10 que a ele está dedicada e a mim está a desafiar.
Aos 19 de março de 1534, nasce na cidade de San Cristóbal de La Laguna, Espanha, José de Anchieta. Em 1548, com 14 anos, embarca para Portugal, para estudar em Coimbra. Em 1551, ingressa como noviço na Companhia de Jesus. Fraco, doente e corcunda, devido aos esforços constantes no trabalho e nos estudos, o noviço era um caso perdido para a precária medicina do século XVI. Após tentarem de tudo, sem obter resultado, os médicos que tratavam dele. Julgaram conveniente uma mudança de ares. Talvez o clima do Brasil, considerado excelente, fosse saudável para esse dedicado religioso que estava com quase vinte anos. Assim ele desembarca no Brasil, na Bahia, no dia 13 de julho de 1553, com Duarte da Costa e em 24 de dezembro, chega a São Vicente.
Em 1554, realiza a Primeira Missa no Colégio de São Paulo de Piratininga e em 21 de abril de 1563, junto com Manuel de Nóbrega, parte rumo a Iperoígue, para firmar acordo de paz com os tamoios. Em 1565 participa do ataque ao Rio de Janeiro, com Estácio de Sá. Em 1566 é ordenado padre. No ano de 1576 é nomeado provincial dos Jesuítas do Brasil. Em 1588 é sucedido no cargo de Provincial. Fica em Vitória como superior da Residência. No dia 9 de julho de 1587, morre em Reritiba, no Espírito Santo.
Lembro que a vida humana é marcada por encontros, desencontros e reencontros. Marcada por relações geradoras de vida e de morte.
Olhando a história, percebemos que estes são temas vividos por José de Anchieta e um pequeno grupo de religiosos jesuítas que, no princípio da história do Brasil, lutaram para difundir o Evangelho. Logo no início do Século XVI foi necessário obter a tolerância dos índios e decifrar o seu idioma para, depois, chamá-los à fé cristã. Além de elaborar a primeira gramática de língua tupi, ele criou o método de ensino do Evangelho incorporando a própria cultura indígena.
Pela palavra em forma de pregação, poemas e peças teatrais, o fundador de São Paulo transmitia conhecimentos por meio de comoventes exemplos e atitudes, tocando o coração de todos, até dos inimigos. O apóstolo do Brasil tinha a personalidade marcada por uma criatividade artística, bem como por sua entrega absoluta à devoção cristã e à causa da Catequese.
Tinha ouvidos para escutar e entender os corações humanos, assim como a voz do vento e das ondas, porque vivia em permanente comunhão com Deus e com a natureza.
Este era o pensamento de Anchieta: Os índios são fascinados por tudo o que é dito com arte e beleza. Até aceitam que se fale da morte, que tanto temem, quando isso é feito na poesia de um ritual.
Navegando ao longo da costa de São Vicente, entrega-se à contemplação: “o mar é aquele mesmo da Bahia, mas as praias mudam sem cessar… No lugar das desoladas imensidões de areia, vislumbra-se a floresta que quase ousa beijar as ondas…”
E nesta paisagem vislumbra a dura certeza: “decifrar corretamente a língua dos índios talvez seja apenas o primeiro passo. Problema maior será encontrar um modo de atraí-los como fazem as araras com os passarinhos, e não somente de mostrar-lhes a nossa fé. Como faremos para despertar-lhes a atenção se, em lugar de coloridas penas, só temos estas negras botinas cobrindo-nos a triste magreza?”
O poeta Guilherme de Almeida diz no seu soneto inspirado na imagem do jovem religioso escrevendo no chão da praia, aliás é uma das que ficaram mais firmemente registradas na memória brasileira, diz o texto:
“Santo: erguestes a cruz na selva escura;
Herói: plantastes nossa velha aldeia;
Mestre: ensinastes a doutrina plena;
Poeta: escrevestes versos sobre a areia…”
Para explicar o sentido do Santíssimo Sacramento, cuja essência fora esvaziada pelos reformistas luteranos e calvinistas, recorre à sua habilidade poética:
“Ó que pão, ó que comida,
ó que divino manjar
se nos dá no santo altar
cada dia!
Filho da Virgem Maria,
que Deus-Padre cá mandou
e por nós na cruz passou
crua morte […]
Este dá vida imortal,
este mata toda fome,
porque nele Deus e homem
se contêm
[…] ar fresco de minha calma,
fogo de minha frieza,
fonte viva de limpeza,
doce beijo
mitigador do desejo
com que a vós suspiro e gemo,
esperança do que temo
de perder.”
Após a missão como provincial, durante a qual passara boa parte do tempo na Bahia, José exerce o posto de superior em Vitória, até 1592. No fim daquele ano, retorna a São Vicente. É recebido em São Paulo com tanto carinho que, segundo afirmam os estudantes do Colégio de Piratininga, no sítio de Clemente Álvares, na região do Ibirapuera, os pomares deram figos e uvas fora do tempo, só para homenageá-lo. Este episódio da trajetória de Anchieta, porém, leva a crer que o citado confronto político que separava bandeirantes de jesuítas não fosse explícito nem constante.
Entre o final de 1594 e o de 1595, José trabalha novamente como superior em Vitória. Depois disso, recebe a permissão de escolher onde gostaria de viver. Escreve sobre isso numa carta de dezembro de 1595:
“Não quis tanta liberdade, porque soe ser causa de cegueira e de errar o caminho, não sabendo o homem escolher o que lhe convém. E fora grande desatino, havendo eu quarenta e dois anos que deixei em tudo a livre disposição de mim nas mãos dos superiores, querer eu agora, ao cabo de minha velhice, dispor de mim. Pus-me nas mãos do Padre Fernão Cardim (que ia por reitor do Rio de Janeiro) e ordenou Nosso Senhor que acompanhasse ai Padre Diogo Fernandes nesta Aldeia de Reritiba, para ajudar na doutrina dos índios, com os quais me dou melhor do que com os portugueses, porque àqueles vim buscar no Brasil e não a estes. E já poderá ser queira a divina Sapiência que acompanhe ao mesmo padre em algumas entradas ao sertão, e trazer alguns deles ao grêmio da igreja […] A disposição corporal é fraca, mas esta basta com a força da graça, que da parte do Senhor não faltará […]”
Olhando a vida do Pe. José de Anchieta, podemos dizer que ele viveu e agiu de tal forma que sua vida pode ser considerada como uma verdadeira profissão de fé em Deus, no ser humano, na cultura e na arte.
Como peregrino, Pe. Anchieta manifestou sua fé através de suas posturas éticas, do teatro, da poesia, da literatura e da música. Tamanho é meu encanto por sua vida que sinto brotar em mim o desejo de proclamar a fé diante de todos, neste momento em que me torno um novel membro da Academia de Letras da Grande São Paulo. Por isso, como Anchieta enquanto peregrino, canto pela vida, declamo minha fé.
FÉ EM DEUS – Declamo minha fé em Deus, ressaltando, como Pe. José de Anchieta, a esperança e a crença na eternidade e na Graça Divina, como demonstram o seus versos:
Em Deus, meu Criador,
está todo meu bem
e esperança,
Meu gosto e meu amor
e bem-aventurança.
Quem serve a tal Senhor
nos faz mudança.
Contente assim, minha alma,
do doce amor de Deus
toda ferida,
o mundo deixa em calma,
buscando a outra vida,
na qual deseja ser toda
absorvida.
Declamar ou professar a fé em Deus é ressaltar a fonte de sentido que preencheu o coração do Pe. José de Anchieta nos momentos de solidão e saudade da terra natal e das pessoas queridas.
Deus foi para o Pe. Anchieta, e é para nós, a fonte inspiradora do sentido ou o próprio sentido da nossa existência.
Segundo Viktor E. Frankal, fundador da logoterapia, há no ser humano um tema central, a necessidade de sentido.Cada vez mais o homem moderno é acometido de uma sensação de falta de sentido, que geralmente vem acompanhada de uma sensação de “vazio interior”.
Há no homem uma característica ontológica fundamental, que Viktor Frankal denomina de “autotranscendência” da existência. Isso quer dizer que ser humano significa dirigir-se para além de si mesmo, para algo diferente de si mesmo, para alguma coisa ou alguém. Com base neste pensamento, podemos dizer que Pe. José de Anchieta e cada ser humano se auto-realiza precisamente na medida em que se esquece de si próprio e se entrega a uma causa à qual serve, ou a uma pessoa que ama.
Assim sendo, declamo e professo minha fé no Deus que foi fonte de sentido para Pe. José de Anchieta e o é para mim. Com diz Santo Agostinho, embora não sejamos Deus e estando fora e diante Dele, entre todas as suas obras, nós somos os que mais se aproximam do Criador e de sua natureza. Somos o que se poderia chamar de imagem de Deus. Por isso, professar a fé em Deus é dizer como Santo Agostinho: “Deus, de quem não se pode separar sem cair, a quem não se retoma sem se reerguer, permanecer em ti é ter sólido apoio, afastar-se de ti é morrer, retomar a ti é reviver, habitar em ti é viver.”
FÉ NA ÉTICA – Declaro minha fé e esperança na ética e moral instituídas por cada sociedade como valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido e à conduta correta, válidos para todos os seus membros.
Olhando a história humana, a realidade em que vivemos e privilegiando alguns fatos é possível perceber vários sinais de morte, muita dor e destruição provocadas em encontros de pessoas que, por não aceitarem o outro, o diferente, geraram verdadeiros desencontros, marcados por interesses individuais,violência, corrupção, injustiças e desvalorização do ser humano afugentando para além da sociedade as virtudes éticas
Na inquietude do meu coração de jovem adulto no qual tem o adulto jovem, retomo as indagações de Sócrates, que percorrendo praças e ruas de Atenas perguntava, fossem a jovens ou a idosos, o que eram os valores nos quais acreditavam e respeitavam ao agir.
Será o humano um ser de relação? Um ser ético? Se o é, de que forma se manifesta o seu ser-relação? Serão as virtudes éticas um paradigma no hoje da nossa história, da nossa vida, dos nossos encontros, do nosso tornar-se pessoa, relacionar-se? Serão as relações éticas experiências humanizadoras, geradoras de vida?
Diante destas indagações podemos retomar às posturas do Pe. José de Anchieta e de tantos homens e mulheres que lutaram pela preservação da dignidade humana nas relações.
Penso o ser humano como ser de relação, aberto a encontros, desencontros e reencontros que possibilitam o acontecimento da moral e da ética. Cito o filósofo Martin Buber, nascido em Viena em 1878 e também Jacob Levy Moreno, fundador do Psicodrama, que apresenta o ser humano como ser de relações e propõe a psicoterapia de grupo baseada no teatro e na psicologia para lidar com os conflitos humanos e apontar posturas éticas na convivência grupal.
Na obra de Buber, Eu e Tu, escrita em 1923 a vida é apresentada como encontro. Toda vida verdadeira é Encontro. Ele se preocupava em conceituar a relação como sendo o que acontece de essencial entre seres humanos, entre o mundo, Deus e o homem.
Iluminado por tal pensamento, coloco-me no lugar do Pe. José de Anchieta, que ao vivenciar encontros inusitados com índios, com colonizadores e com o paraíso que se revelava diante dos seus olhos, pregava a existência do Deus Criador e pelo teatro e pela música semeava no coração dos índios posturas éticas que favoreciam o encontro, a relação com o outro diferente, com Deus e com a sociedade que se estava construindo.
A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe como um fato dado, mas é instaurada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes. Sendo assim, a postura do Pe. José de Anchieta foi para nós não somente uma postura catequética de educação e apresentação da fé, mas também uma catequese focada na práxis ética.
Talvez o Pe. José de Anchieta andasse pelas vilas e tribos contando parábolas como Jesus nas suas pregações ou como fazia Sócrates em Atenas, indagando: O que é a virtude? E retrucando, os atenienses respondiam: “é agir em conformidade com o bem”.
Assim sendo, tomo posse nesta Academia de Letras, com o homem inspirado nos princípios de Cristo. Procuro dedicar minha missão evangelizadora-catequético-literária em favor da ética e das relações geradoras de vida. Desta forma, professo a fé acadêmica dizendo:
“Possa a minha inteligência estar sempre a serviço do Bem e do Belo!”
(sugestão: cantar a música de Almir Sater)
FÉ E ESPERANÇA NA POESIA, NO TEATRO, NA LITERATURA E NA CULTURA – Pe. José de Anchieta usou a cultura como arma da fé, e, como novel acadêmico, desejo ardentemente usar a cultura como declaração de amor à vida em todas as instâncias da sociedade.
A obra do Pe. José de Anchieta é ampla e se divide em gêneros variados, a saber: cartas, sermões, estudos linguísticos, poesia e teatro. Em todos eles pode-se reconhecer uma ampla dimensão social e histórica, que nos permite conhecer os fatos ocorridos no Brasil do Século XVI, bem como a mentalidade colonial brasileira.
Dotadas de intenção moral e educativa, essas peças teatrais não só se destinavam ao lazer dos fiéis, como também serviam de instrumentos para Anchieta comunicar seus pensamentos e pontos de vista. Com impressionante habilidade artística e total domínio da palavra, José oferecia às plateias o que consistia, ao mesmo tempo, um ensinamento amplo, condensado e prazeroso. Ou seja, uma experiência de prazer grupal em que a platéia era repreendida, criticada e orientada, mas com muito mais satisfação do que desfrutaria se estivesse numa sala de aula ou ouvindo um sermão.
Merece particular destaque a Arte da Gramática da língua mais usada na costa do Brasil, em que Anchieta codificou as regras do tupi. Foi publicada em Coimbra, em 1595. Esta obra viria a ser usada em todas as missões jesuíticas do Brasil até o Século XVIII.
Entretanto, é no âmbito das obras produzidas com intenções artísticas – a poesia e o teatro, que se deve procurar o Anchieta literário, o que se pode considerar, antes de mais nada, o fundador da literatura brasileira. Afinal, no Brasil quinhentista, escrevia-se fundamentalmente para mandar à Europa informações sobre a terra recém-descoberta, e Anchieta, contrariando essa regra, escreveu para os brasileiros, fossem índios ou colonos…
Anchieta pôde expressar nos seus escritos a realidade de um novo homem, diferente do europeu, que começava a surgir naquele contexto social e histórico. Por índole e vocação Anchieta era um místico que captava a existência, não pela perspectiva da razão, mas pela fé.
O estilo literário de Anchieta se aproximava do chamado barroco, uma corrente artística que se desenvolveu juntamente com a reação da igreja à reforma protestante, isto é, a contra-reforma opondo-se aos valores humanistas que encontram abrigo junto aos protestantes.
A obra teatral de José de Anchieta é composta basicamente de autos, um gênero de peça teatral que se originou na Idade Média. Os autos se caracterizam pela simplicidade de composição e de linguagem, pelos personagens alegóricos (como as virtudes e os vícios, por exemplo), entidades como santos e demônios e pelas intenções moralizantes. Trata-se de peças que pretendem transmitir uma mensagem ao expectador. Ou, mais ainda, que pretendem persuadi-lo a seguir uma orientação moral.
Não se pode deixar de lado a existência de uma obra poética de Anchieta na escrita em latim iniciada ainda na escola e que lhe valeu o apelido de Canário de Coimbra. Nesta língua encontram-se também seus dois poemas mais alentadores: o de Beata Virgine Dei Matre Maria, que o autor passou para o papel logo que se viu livre do cativeiro. Lembramos que Anchieta escrevia poemas na areia. Outra obra é o De Gestis Mendi de Saa em que narra as lutas do terceiro governador geral contra os franceses.
Mas é com textos escritos em português que Anchieta se inscreve na literatura brasileira. O fervor religioso é a base da motivação do autor, como transparece nos título dos seus principais poemas: A Santa Inês, do Santíssimo Sacramento e Em Deus, meu Criador
Estas composições apresentam claramente o estilo medievalizante, ignorando os versos longos (decassílados) impostos pela estética renascentista. Representam uma opção do autor pela chamada “media velha”, ou seja, a métrica breve, com versos de cinco ou sete sílabas, também conhecidos como rendondilhos…
Enfim faço minha declaração de esperança na poesia, na arte, na literatura relatando a trajetória literária de José de Anchieta. E, diante de tantos conceitos de poesia, busco o de Schiller: “o único homem verdadeiro é o poeta” ou como diz Heidgger: “linguagem originária a poesia é a própria verdade, isto é, a manifestação ou revelação do ser” e olhando minha opção de vida brindo com um texto de Mário Quintana:
SE EU FOSSE UM PADRE
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
Não falaria em Deus nem no Pecado
– muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições …
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e que me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
… e um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
Um belo poema sempre leva a Deus!
Ao escrever o auto de Santa Isabel, descrevendo personagens em romaria, parecia ser a continuação da sua própria pessoa. A palavra “romeiro” vem afinal de Roma, o centro de toda a peregrinação cristã e o destino final do Apóstolo das Gentes. José então pondera que, de fato, ele não passava de um peregrino neste planeta.
De fato, além de ensinar, escrever e estudar, o que mais fizera na vida fora viajar da África para a Europa, de Coimbra para São Vicente e daí para todos os rincões de um país cuja invenção presenciou maravilhado. Um país que ajudara a erguer das selvas. Mas, ao fim, não passou de alguém que viera ao mundo somente para caminhar e caminhar, sem parada. Com os olhos constantemente postos no sagrado e com o coração movido pela esperança de que a jornada, coloca-se, finalmente, a criatura diante do Criador. Por escrito e em forma de singela poesia, despedia-se da figura materna que lhe governara a existência, desde o dia em que soubera que no Brasil não teria mãe, nem avós, nem esposa, nem irmãs de carne e osso para confortá-lo:
“Parto sem me afastar
De vós, minha mãe e senhora,
Confiando que, na hora
Em que terei de morrer
Sereis minha visitadora.”
Conforme relatam os companheiros, sua proeza final foi levantar-se à noite do leito, em que a enfermidade o prendia, com o objetivo de preparar um remédio para outro doente. Sem forças, caiu desmaiado no chão da cozinha e, daí, foi conduzido ao derradeiro leito. Na caminhada final, aos nove de junho de 1597, o corpo de Anchieta viajou de Reritiba para Vitória sobre os ombros dos índios. Milhares de nativos, aos prantos, formavam o cortejo fúnebre. Pela primeira e última vez, os discípulos puderam carregar o apóstolo que, em vida, sempre se locomoveu sobre os próprios pés ou sobre as ondas do mar. Pelos céus que cobrem de azul a terra brasileira, a alma voava livre, rumo ao infinito.
Vejo assim, algumas semelhanças com o Pe. José de Anchieta: sou um caminhante para professar a fé e difundir o Evangelho através da Catequese, educação da fé para todas as idades. O que mais fiz em minha vida foi ir e vir ao encontro de pessoas, do meu próprio eu e de Deus. Em Ibicoara, minha cidade natal, no interior da Bahia, conheci o mundo, subi montanhas, cultivei flores e vida. Quando abri meus olhos, brotaram asas em mim e comecei a voar, a ir e vir, em busca de um céu distante e próximo. E aqui estou como Pe. Anchieta, disposto a caminhar para os pensamentos e a poesia me levar, servindo sempre o Bem e o Belo.
Meu chamado inspirou-se no trecho do Evangelho de Mateus “você é sal da terra e luz do mundo”. Sendo assim, hoje ao assumir uma cadeira nesta Academia retomo minha vocação e missão de promover o Bem e o Belo, inspirado na vida do patrono da cadeira que ocuparei, Pe. José de Anchieta. E desta forma, brindo meu ingresso nesta Academia com o poema de Thiago de Mello, poeta amazonense que inspirou o lema de minha vida sacerdotal e agora da minha vida como acadêmico.
A vida verdadeira
Pois aqui está a minha vida.
Pronta para ser usada.
Vida que não se guarda
Nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço da vida.
Para servir ao que vale
A pena e o preço do amor.
Ainda que o gesto me doa,
Não encolho a mão: avanço
Levando um ramo de sol.
Mesmo enrolada de pó,
Dentro da noite mais fria,
A vida que vai comigo
É fogo:
Está sempre acesa.
Vem da terra dos barrancos
O jeito doce e violento
Da minha vida: esse gosto
Da água negra transparente.
A vida vai no meu peito,
Mas é quem vai me levando:
Tição ardente velando,
Girassol na escuridão.
Carrego um grito que cresce
Cada vez mais na garganta,
Cravando seu travo triste
Na verdade do meu canto.
Canto molhado e barrento
De menino do Amazonas
Que viu a vida crescer
Nos centros da terra firme.
Que sabe a vinda da chuva
Pelo estremecer dos verdes
E sabe ler os recados
Que chegam na asa do vento.
Mas sabe também o tempo
Da febre e o gosto da fome.
Nas águas da minha infância
Perdi o medo entre os rebojos.
Por isso avanço cantando.
Estou no centro do rio,
Estou no meio da praça.
Piso firme no meu chão,
Sei que estou no meu lugar,
Como a panela no fogo
E a estrela na escuridão.
O que passou não conta? Indagarão
As bocas desprovidas.
Não deixa de valer nunca.
O que passou ensina
Com sua garra e seu mel.
Por isso é que agora vou assim
No meu caminho.
Publicamente andando.
Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
E o jeito de caminhar.
Aprendi
(O caminho me ensinou)
A caminhar cantando
Como convém
A mim
e aos que vão comigo.
Pois já não vou mais sozinho.
Aqui tenho a minha vida:
Feita a imagem do menino
Que continua varando
Os campos gerais
E que reparte o seu canto
Como o seu avô
Repartia o cacau
E fazia da colheita
Uma ilha de bom socorro
Feita a imagem do menino
Mas a semelhança do homem:
Contudo que ele tem de primavera
De valente esperança e rebeldia.
Vida, casa encantada,
Onde eu moro e mora em mim,
Te quero assim verdadeira
Cheirado a manga e jasmim.
Que me sejas deslumbrada
Como ternura de moça
Rolando sobre o capim.
Vida, toalha limpa,
Vida posta na mesa,
Vida brasa vigilante
Vida pedra e espuma,
Alçapão de amapolas,
O sol dentro do mar,
Extrume e rosa do amor:
A vida.
Há que merecê-la.
Muito obrigado!
Padre Jordélio Siles Ledo
Cadeira 10 – Patrono Padre José de Anchieta
Aspectos fundamentais da formação do catequista
Ms. Pe. Jordélio Siles Ledo, CSS
Ao refletir sobre a pessoa do catequista, se faz necessário pensar a formação como um itinerário necessário para a construção do papel do educador da fé, responsável pela práxis catequética. A mudança de época e os novos desafios que se coloca para a evangelização se apresentam como um tempo oportuno para se refletir a necessidade da formação do catequista. “A mudança da realidade leva, igualmente, a mudar o modo de levar a cabo a ação evangelizadora. Instrumentos e métodos de um determinado tempo, podem se apresentar inadequados em outro tempo.”[1]
A partir das recentes orientações da Igreja do Brasil, o que mais se tem refletido é sobre a necessidade de formação para o cristão. De modo especial o Diretório Nacional de Catequese insiste na formação adequada para o catequista, contra todo tipo de improvisação.
É interessante perceber que o termo formação vem do verbo “formar” tão comum em nosso vocabulário, mas de uma profundidade bíblico-teológica muito significativa. Etimologicamente falando, o verbo vem da raiz hebraica [yatsar] literalmente “formar”, “modelar”, “projetar”, “planejar”, “organizar” e “configurar”. Ele aparece na Escritura com sinônimos de bará, “criar” e asá “fazer”. Sua ênfase catequética fundamental é a de moldar o agente envolvido ou de dar-lhe forma. É utilizado tanto para designar a ação divina quanto a ação humana. Encontramos outras expressões relativas ao termo, como: desenvolver, instruir, educar, preparar-se, ensinar, progredir.[2]
Na missão evangelizadora, o catequista necessita de uma formação aprimorada, não apenas em vista dele mesmo e dos catequizandos, mas particularmente para o bem de toda a Igreja. Uma catequese de qualidade é consequência de uma verdadeira evangelização, e isso só é possível com agentes bem preparados.
Para que a formação aconteça em sua plenitude, é necessário que o catequista tenha uma fé profunda, seja dotado de uma identidade eclesial decidida e cultive uma sensibilidade social responsável. Precisa destacar-se pela maturidade humana, cristã e apostólica, bem como se distinguir pela formação e capacidade catequética para responder às perguntas que o mundo contemporâneo faz e exige na missão a ser desempenhada (cf. DGC, 1997, n. 237 e 238).
Na perspectiva da nova evangelização convém ter muito presente que “se a catequese é uma das tarefas primordiais da Igreja” (CT n.1), os catequistas necessitam de boa formação não só para eles mesmos e em função dos catequizandos, mas também para toda a Igreja, porque a evangelização autêntica depende, em boa medida, da qualidade da catequese; e não é possível uma boa catequese sem catequistas bem preparados.[3]
Para tanto, a preparação básica e continuada do catequista é exercício fundamental na Igreja, pois necessita abranger as diferentes dimensões da pessoa humana, tornando-se, aos poucos, uma formação integral. Então, “se realiza no contexto eclesial, pois o catequista é, antes de tudo, membro da Igreja, testemunha da fé e enviado por ela para anunciar a mensagem evangelizadora”[4] . O próprio contexto exige e desafia a Igreja a uma constante avaliação da maneira de educar a fé e, consequentemente, da formação do catequista. “É imperativo elaborar uma educação da fé que forje uma identidade cristã sólida, com uma consciência lúcida de ser discípulos e missionários de Jesus Cristo na comunidade”.[5]
Portanto, “a formação do catequista compreende diversas dimensões. A mais profunda se refere ao próprio ser do catequista, à sua dimensão humana e cristã. A formação, de fato, deve ajudá-lo a amadurecer, antes de tudo, como pessoa, como fiel e como apóstolo”.[6] Por formação de catequista, portanto, entende-se o processo de educação através do qual, mulheres e homens se habilitam para apresentar a mensagem central da catequese que é a pessoa e o ensinamento de Jesus de Nazaré. Importa, igualmente, “conhecer os caminhos que Ele traçou para aqueles que o querem seguir” (DNC, 2005, n. 332). Esse processo formativo capacita da mesma forma, para que o ministério tenha sempre um cunho profético e possa encaminhar os interlocutores a exercer seu protagonismo na história pelo seguimento a Jesus, dentro do contexto próprio em que vivem.
1.A pessoa de Jesus na formação humano-cristã do catequista
A atual mudança de época nos coloca diante de múltiplos desafios e uma invasão desenfreada de contravalores, a mudança de atitudes e postura é uma exigência iminente. Diante de tantos desafios se faz necessário pensar a formação do catequista, a partir de Jesus Cristo, origem de sua missão. Um dos objetivos que marcam esta formação é colocar o catequista diante do Mestre. Jesus é a figura central na formação dos catequistas. Em sua vida encontramos o conteúdo e o método desta formação: “Paginando os Evangelhos descobrimos ângulos que devem fazer parte da Formação Integral e integradora da Educação da fé das comunidades. Jesus é a figura central, o modelo perfeito de um roteiro de formação global da fé, da esperança e da caridade”.[7]
A formação do catequista precisa desenvolver aspectos importantes da vida de Jesus. Não se pode exigir que o catequista seja perfeito como Jesus. É preciso apresentar Jesus como aquele que educa na fé a partir de práticas concretas que se manifestam na sua vida.
A dimensão humana do catequista, encontra seu verdadeiro sentido na medida em que se coloca diante de Jesus. Na vida do Mestre, educador da fé, encontramos posturas que revelam sua relação profunda com os interlocutores. Jesus percebe em profundidade os problemas íntimos, pessoais e existenciais, numa atitude de profunda atenção a todos os que se aproximam. São vários os exemplos que encontramos em sua prática de vida: o encontro com a samaritana (cf. Jo 4,1-42); a mulher com hemorragia ( cf. Mt 9, 18-22) e tantos outros que revelam sua íntima relação com o próximo.
O seguimento e conversão a Cristo exigem a experiência da convivência fraterna. O próximo é caminho aberto para Deus Trindade e Comunhão. O exemplo mais acabado da vida fraterna é Jesus e os Apóstolos. A comunidade apostólica é modelo no perdão, no relacionamento entre pessoas, entre o Mestre e seus discípulos.[8]
Dos evangelizadores exige-se preparo, qualificação e atualização e envolvimento com o Mestre. Faz-se necessário uma mudança de paradigmas a fim de poder-se dar uma resposta convincente às questões existentes no processo formativo levando em conta as realidades que marcam a vida dos catequistas.
Na formação integral catequética é preciso está muito atento aos problemas pessoais e íntimos. Os problemas dos educandos. Cada pessoa tem seu mundo peculiar. É lá que acontece o encontro com Deus, o “sim” ao amor de Deus e do próximo. E é necessário que este terreno esteja apto à catequese. [9]
Nesse contexto, a formação catequética de mulheres e homens “é prioridade absoluta” (cf. DGC, 1997, n. 234). Os últimos documentos da Igreja estimulam a formação inicial e permanente de seus agentes, num grave apelo a toda Igreja: “Qualquer atividade pastoral que não conte, para sua realização, com pessoas realmente formadas e preparadas coloca em risco sua qualidade.”[10]
Os relatos da vida de Jesus, nos mostra um homem simples e inserido na realidade em que vivia. Jesus não estudou em grandes escolas, não pertencia a nenhuma classe que exercia poder na sociedade. Sua vida revela a vida do povo, operário, agricultor, pastor, vindo da Galiléia, onde a instabilidade social era muito grande. Não exercia nenhum cargo. Era conhecido como carpinteiro (cf. Lc, 13, 55). Em sua espiritualidade e pedagogia, Jesus se mostra inculturado, encarnado na vida daqueles com quem convive.
Jesus assume a condição humana para mostrar que a pessoa humana, sobretudo empobrecida e marginalizada, é lugar de encontro com Deus e que o caminho que apresenta para chegar ao Pai é possível de ser percorrido por todos nós (Jo 1, 1-14). Por isto, nasce pobre e no meio dos marginalizados (Lc 2, 1-20) e passa pelas tentações que nós também passamos (Lc 4, 1-13). [11]
A Igreja do Brasil, ao traçar as Diretrizes de sua ação evangelizadora, faz uma afirmação convincente, indicando aspectos importantes que devem nortear a formação do catequista.
A formação dos discípulos missionários precisa articular fé e vida e integrar cinco aspectos fundamentais: o encontro com Jesus Cristo; a conversão; o discipulado; a comunhão; a missão. O processo formativo se constitui no alimento da vida cristã e precisa estar voltado para a missão, que se concretiza em vida plena, em Jesus Cristo, para todos, em especial para os pobres. A formação não se reduz a cursos, pois integra a vivência comunitária, a participação em celebrações e encontros, a interação com os meios de comunicação, a inserção nas diferentes atividades pastorais e espaços de capacitação, movimentos e associações.[12]
A formação do catequista ocupa lugar central no processo evangelizador da Igreja, sem uma boa formação a evangelização corre o risco de não fazer ecoar de forma eficiente e eficaz a mensagem do Evangelho. É preciso que toda a Igreja assuma a formação do catequista como uma prioridade.
Percebemos que os catequistas necessitam de boa formação que favoreça a eles mesmos, aos catequizandos e à própria Igreja. Sabe-se que a autêntica evangelização depende, em grande medida, da qualidade da ação catequética; essa, por sua vez, é consequência de uma sólida formação de seus agentes. A formação de catequistas é vista, então, como tarefa fundamental dentro da Igreja. “Aos bispos é recomendado que essa formação seja diligentemente cuidada.[13]
Inspirado no Diretório Nacional de Catequese podemos relacionar alguns objetivos, a fim de que o alvo da formação com catequistas seja alcançado[14]:
a. favorecer o crescimento e a realização pessoal a cada catequista, na acolhida da proposta e do chamado de Deus e na pertença a uma comunidade concreta;
b. capacitar os anunciadores do Evangelho para que o façam com convicção e autenticidade, transformando-se em fermento no meio da sociedade em que vivem;
c. tornar cada catequista, além de verdadeiros pedagogos, mistagogos da fé (que introduzem o catequizando no mistério pascal), dando-lhes condições para encaminhar outras pessoas à compreensão e vivência do mistério pascal;
d. buscar uma clara identidade e maturidade cristãs, apresentando a fé como conhecimento e seguimento de uma pessoa: Jesus Cristo;
e. saber ouvir e compreender as aspirações humanas dos catequizandos adultos, jovens, adolescentes e crianças a fim de que a mensagem possa ser inculturada.
A catequese propõe apresentar a mensagem cristã e resgatar, para cada pessoa, sua identidade e sentido de vida. Um dos grandes objetivos da formação de catequistas é fornecer um aprofundamento da identidade humana e cristã, sabendo que “formar o catequista significa fornecer-lhe a aquisição de uma verdadeira competência e habilitá-lo no campo em que irá atuar; desenvolver o senso da fé e aprofundar o conhecimento da doutrina eclesial.”[15]
A formação do catequista alcançará seus objetivos ao possibilitar uma nova vida ao educador da fé. Uma vida marcada pela experiência comunitária e missionária. Esta vida será um sinal de que a formação é evangélica, ou seja, centrada na pessoa de Jesus Cristo.
Tanto a convivência comunitária estável ao redor de Jesus e a missão itinerante através dos povoados da Galileia, as duas dimensões fazem parte do mesmo processo de formação. Uma não exclui a outra. Pelo contrário! Elas se completam mutuamente. Uma sem a outra, não se realiza, pois a missão consiste em reconstruir a vida em comunidade.[16]
É na experiência comunitária que Jesus revela seu perfil humano que encanta e atrai tantas pessoas. Jesus é aquele que educa através do serviço. Para Ele, ser servo é muito mais digno do que ser servido ( cf. Mc 9, 33-37). Educar a fé é libertar, é apontar caminhos de plenitude e respeito pela pessoa em todas as dimensões da vida.
Jesus é o homem culto que não faz do seu conhecimento objeto de domínio e exploração. A formação do catequista, precisa gerar a consciência de que os conhecimentos adquiridos devem estar a serviço do interlocutor. Jesus é culto e não quer privilégios, o que ele quer é servir. A partir de Jesus, a formação deve preocupar-se em preparar catequistas para uma vida profética que se fundamenta na prática do amor e do serviço.
A prática de Jesus, revela um homem que educa pelo olhar, pelo toque, pelo sorriso. Por atitudes afetivas que o torna próximo do seu interlocutor. Jesus é uma pessoa amadurecida no campo afetivo-emocional. Os Evangelhos nos relatam aspectos de uma pessoa de personalidade e caráter equilibrados, mansos. Homem de profunda oração, amante do silêncio.
…Era de profundo e humano bom senso. Apegado à justiça, ao amor. Tinha virtudes notáveis: senso crítico, perspicácia, paciência, prontidão nas respostas; sagaz nas perguntas e muito atento à situação, às inquirições e indagações que lhe eram feitas. A maneira usada para responder era de a de um mestre inteligentíssimo. [17]
A formação do catequista deve pautar-se na atitude de Jesus, para que favoreça a sinceridade e autenticidade. É preciso que o catequista traga em sua vida, virtudes que se aproximam do Mestre. Por exemplo, a mentira e a hipocrisia devem ser criticas e superadas pelo exercício do domínio da verdade e união da pessoa em seu aspectos interiores e exteriores. Mais do que nunca, precisamos de uma catequese que parta da experiência, uma catequese afetiva e litúrgica. Para tanto, é necessário que o catequista conheça e se inspire nos vários gestos de Jesus: imposição das mãos, beijo, abraço, alegria, amizade, visitas e conversas .
A catequese está descobrindo o valor do carinho e da afetividade também como elementos integrantes e integradores da Educação da Fé e do equilíbrio dos educandos, mestres e escolas. A Igreja é chamada a desenvolver e praticar mais a pastoral da afetividade, da verdadeira amizade e acolhida… A catequese é convidada a desenvolver a educação para a meiguice e a ternura, especialmente para com os fracos. [18]
Ao pensar a formação do catequista, é preciso compreender que a fé para nada serve se não incidir na totalidade das relações humanas. Ela é, afinal, uma forma de ser e agir, uma maneira de visualizar e compreender a existência humana na multiplicidade de suas manifestações, expressões e perspectivas. Pela fé em Jesus, o catequista, adentra no mistério de Deus e da história. O Deus revelado por Jesus mergulha fundo no coração da história, fazendo dela o espaço de sua manifestação e da eficácia de suas múltiplas iniciativas. Na formação do catequista, vamos ao encontro da sabedoria de Jesus que nasce da sua intima relação com Deus.
A doutrina de Jesus não vem da aprendizagem humana, seja ela de que espécie for. Ela vem do contato imediato com o Pai, do diálogo “face a face”, da visão daquele que repousa no seio do Pai. Ela é a palavra do Filho. Sem esta base interior, ela seria temeridade. Assim julgaram os doutores do tempo de Jesus, precisamente porque não podiam admitir este fundamento interior, o ver e o conhecer face a face.[19]
Como centro da formação do catequista, a pessoa de Jesus, nos ajuda a conduzir para aquilo que é o essencial no processo formativo. Conhecer e aproximar de Jesus nos torna humanos, nos faz compreender que a catequese só alcançará plenamente o seu objetivo quando conduzir para a formação humano-cristã. Jesus é humano, muito humano, “tão humano como só Deus pode ser humano” dizia o Papa Leão Magno (Séc. V). “Ele veio nos mostrar o caminho para quem quer ser divino: antes de tudo ser profundamente humano”! (cf. Fl 2,6-11)
Contudo, percorrer a vida de Jesus, conhecer seus passos e atitudes nos leva a entender a formação do catequista como um processo, um caminho que se faz a cada encontro. A formação centrada na pessoa de Jesus, parte sempre de experiências vividas por cada catequista. É no interior das relações que Jesus revela seu rosto e nos faz compreender que para viver e educar a fé, o catequista não pode situar-se à margem da história, da vida dos seus interlocutores, mas deve encontrar nela a única possibilidade humana de vivê-la.
2. Jesus, o formador de discípulos
A fonte inspiradora da formação do catequistas é Jesus Cristo. É ele que convida: “Vinde e vede” (Jo 1,39) e propõe maior profundidade e audácia no compromisso: “Avance para águas mais profundas e lancem as redes para a pesca.” (Lc 5,4). É ele mesmo que se apresenta como mestre, educador e servidor: “Se, portanto, eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns aos outros” (Jo 13,14).
Jesus era o modelo a ser recriado na vida do discípulo ou da discípula (Jo 13,13-15). A convivência diária com o mestre permitia um confronto constante. Nesta “escola de Jesus” só se ensinava uma única matéria: o Reino! E este Reino se reconhecia na vida e na prática do Mestre. Isto exige de nós leitura e meditação constantes do Evangelho para olharmos no espelho da vida de Jesus.[20]
Jesus percorreu aldeias ensinando, pregando o Evangelho e curando. Multidões o seguiam para serem curados (cf. Mt 4, 23-25). Propõe um caminho de felicidade e chama discípulos pobres e trabalhadores para seguirem-no, caminharem com Ele e compartilharem de sua missão (cf. Lc 6, 12-16).
“Seguir Jesus” era o termo que fazia parte do sistema educativo da época. Indicava o relacionamento do discípulo com o mestre. O relacionamento mestre-discípulo é diferente do relacionamento professor-aluno. Os alunos assistem às aulas do professor sobre uma determinada matéria, mas não convivem com ele. Os discípulos “seguem” o mestre e se formam na convivência diária com ele, dentro do mesmo estilo de vida.[21]
A liberdade de seguimento, o amor vivenciado e a entrega gratuita da própria vida são critérios de reconhecimento do discípulo. A prática do bem e da justiça, a partilha dos bens são atitudes que revelam o grau de discipulado. Ser discípulo de Jesus é vocação. É um chamado que exige resposta com a própria vida. Quando se fala em vocação, entende-se um chamado especial de Deus e de outro lado uma resposta livre da pessoa. Vocação não é algo que o ser humano inventou ou descobriu.
A palavra vocação vem do latim “vocatio” e significa: ação de chamar. É um chamado dirigido à consciência mais profunda de cada pessoa […], é um convite, um apelo forte de Deus às pessoas através dos acontecimentos da história para assumirem uma importante missão de construir o projeto do Pai.[22]
Jesus, em sua prática de vida, nos mostra que ser catequista é vocação e missão. É dom de Deus, que requer uma resposta e um compromisso. Ser vocacionado para algum ministério dentro da Igreja é consequência e realização da vocação batismal, mergulho na missão profética de Jesus Cristo. O catequista é sempre um enviado de Deus, pela comunidade, pois é em nome dela que realiza sua missão. Como educador da fé, apresenta a mensagem da Boa Nova em todas as realidades humanas.
A vocação dos discípulos é um acontecimento da oração; eles são, por assim dizer, gerados na oração, na intimidade com o Pai. Assim, a vocação dos doze alcança um profundo sentido teológico que vai muito mais além do que seja simplesmente funcional: a sua vocação vem do diálogo do Filho com o Pai e está nele ancorada. É a partir daqui que é preciso entender a palavra de Jesus: “Rezai ao Senhor da messe para que mande trabalhadores para a sua messe” (Mt 9,38); os trabalhadores da messe de Deus não podem simplesmente ser procurados como faz um empreiteiro que procura o seu pessoal: eles devem ser de Deus implorados e por Ele mesmo escolhidos para este serviço. [23]
Jesus acolhe fraternalmente os apóstolos. Convivem a partilha e os problemas juntos. Com eles Jesus aprende e ensina. Corrigem-se mutuamente, fazem revisão de vida, descansam juntos. Mas Jesus lhes dá uma tarefa importante: anunciar o Reino de Deus aos povos (cf. Mt 10, 1-42). Ser seguidor de Cristo é receber uma missão e cumprir. Cada um é enviado a fazer discípulos e batizar. O envio é um ato pelo qual o Mestre garante a sustentação do Reino, de sua pregação, testemunho, dizendo-lhes : “Ide pelo mundo e pregai o Evangelho” (cf.Mc 16, 15-20).
Para se chegar à finalidade da missão do discípulo é necessário aprimorar uma preparação básica e uma formação permanente, refletida à luz da Palavra de Deus e explicitada pelo testemunho. Refletir a dimensão da vocação e missão do catequista, criando assim uma identidade própria, é o intuito que se quer realizar a partir do conhecimento dos métodos utilizados por Jesus. Para cultivar o perfil de discípulo é necessário que o catequista seja pessoa convertida e engajada, pois, assumir um ministério na comunidade, não é causa e consciência próprias, mas uma resposta ao chamado em vista da missão evangelizadora da Igreja.
O catequista, ao realizar sua missão, vai compreendendo e conhecendo as dimensões de ser chamado pelo Senhor e enviado pela Igreja que, por sua vez, continua a missão de Jesus, que revelou por excelência o Plano de Amor do Pai, dando a vida por todos. Jesus é a própria revelação.[24]
Contudo, a realidade eclesial nos mostra que nem sempre a catequese se encontra entre as prioridades das paróquias e dioceses. Toda a Igreja precisa estar convicta e decidida para organizar e dar sustento aos ministérios existentes. Jesus é, para o catequista, a figura mais exemplar no itinerário de formação. Sua prática e experiência na formação dos doze continua sendo modelo e referência permanente. É preciso motivar, chamar e, consequentemente, planejar um roteiro formativo que apresente Jesus como formador, como Mestre que educa, envia e sai de cena, deixando que o discípulo continue a missão.
[1] Cf. CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2011-2015. São Paulo: Paulinas, 2011. n.25. p.31.
[2] Cf. HARRIS, L. ARCHER, G. WALTKE, B. In: Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida Nova, 1998. p. 648.
[3] PEDROSA. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus. 2004, p. 533.
[4] CELAM. III Semana Latino-Americana de Catequese, Um caminho de um novo paradigma para a catequese. 2008, n. 69. p.37.
[5] CELAM. III Semana Latino-Americana de Catequese, Um caminho de um novo paradigma para a catequese. 2008, n. 70. p.38.
[6] CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1997, n. 238. p 239.
[7] CANSI, Bernardo. Catequese e Educação da Fé. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 70. (Coleção Catequese Fundamental vol.13).
[8] CANSI, Bernardo. Catequese e Educação da Fé. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 71. (Coleção Catequese Fundamental vol.13).
[9] CANSI, Bernardo. Catequese e Educação da Fé. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 71. (Coleção Catequese Fundamental vol.13).
[10] CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas, 1997, n. 234. p.236.
[11] ALTOÉ, Adaílton. Itinerário de Jesus. Espiritualidade e pedagogia do seguimento. Caminhos de Espiritualidade. Volume 1. São Paulo: CCJ. 1995, p.07
[12] CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2011-2015. São Paulo: Paulinas, 2011, n.91 p.64.
[13] PEDROSA. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus. 2004, p. 533.
[14] CNBB. Diretório Nacional de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2006, n.254. p.151. (Coleção Documentos da CNBB n.84).
[15] FERREIRA, N. C. Adultos na fé: A formação do catequista para uma catequese com adultos. Apucarana: Diocesana, 2004. p. 31.
[16] CNBB. Terceira Semana Brasileira de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2010, p.126.
[17] CANSI, Bernardo. Catequese e Educação da Fé. Coleção Catequese Fundamental vol.13. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 77.
[18] CANSI, Bernardo. Catequese e Educação da Fé. Coleção Catequese Fundamental vol.13. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 77.
[19] Bento XVI. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à transfiguração/ Joseph Ratzinger: trad. José Jacinto Ferreira de Farias. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 25.
[20] CNBB. Terceira Semana Brasileira de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2010, p.127.
[21] CNBB. Terceira Semana Brasileira de Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2010, p.126.
[22] BIERNASKI, Côn. André, et al, Ensayos de reflexión catequístico-pastoral e investigación catequética. Buenos Aires: AICA, 2008, p.12.
[23] Bento XVI. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à transfiguração/ Joseph Ratzinger; trad. José Jacinto Ferreira de Farias. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 154.
[24] Bento XVI. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à transfiguração/ Joseph Ratzinger; trad. José Jacinto Ferreira de Farias. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p.10.